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Muitos podem não conhecer a obra de um dos barítonos mais impactantes da música pop, mas Scott Walker tornou-se não só referência, mas um modelo a atingir, por encarar a música enquanto provocação de sentidos, de pulsação, do verdadeiro encontro entre o ser e o desconhecido.

Ao longo da carreira, sua música passou a ser cada vez mais confrontadora.

O que começou como um pop inocente assinando como Scott Engels e, depois, levou-o ao estrelato com a primeira fase do The Walker Brothers, logo passou a se tornar mais obscuro, mais instigante e muito mais criativo assim que deu início à carreira solo.

No documentário 30th Century Man, é possível ver gênios como Brian Eno e David Bowie celebrando Scott Walker como um músico sem igual. Ele se tornou mais recluso, principalmente após o rechaço por parte do público e da crítica especializada lá nos anos 1970: enquanto o pop seguia uma linha mais lisérgica, Scott estava interessado em composições mais enigmáticas, com arranjos grandiosos que muitos erroneamente associaram a algo preso aos anos 1950.

No guia abaixo, você vai perceber que não foi bem assim. Confira 5 discos de Scott Walker que você precisa conhecer:

Scott (1967)

Tudo ia bem com os Walker Brothers, já tido como banda de porte de Beach Boys ou Beatles. Quando foram em turnê à Europa, Scott Walker foi a uma festa da Playboy, onde ouviu falar em Jacques Brel, compositor belga com músicas sobre histórias fantásticas de personagens comuns, como marinheiros e bêbados. Após conversar com Andrew Oldham, então empresário dos Rolling Stones que dizia não gostar de Brel, Scott chegou à conclusão: tinha que fazer um disco com composições dele. Assim vieram as ótimas interpretações de “Mathilde”, que falava de sadomasoquismo; “Amsterdam” e “My Death”, que tinha um quê do cinema de Ingmar Bergman (mais especificamente ‘O Sétimo Selo’). Aos poucos, Scott foi remodelando a própria forma de compor, entregando boas músicas como “Always Coming Back to You” e “Montague Terrace (In Blue)”.

Scott 4 (1969)

A partir de Scott 3, o músico focaria mais em suas composições, que ganhariam tratamento grandiloquente em termos de arranjos. Com Scott 4, ele deixaria de vez a obra de Brel e daria um passo gigantesco em termos de autenticidade. As músicas são mais cinematográficas e marcantes, a começar por “The Seventh Seal”, referência ao citado Bergman. “The World’s Strongest Man” e “Angel of Ashes” são exemplos de como seu tom de voz favorecia temas reflexivos sobre amizade e empatia.

“Hero of the War” é uma marchinha satírica sobre a volta dos veteranos da guerra e “Get Behind Me”, ao som de uma viola ao fundo, vai do folk a um tipo de rock orquestrado – característica de um músico que estava longe de dialogar com a geração musical de seu tempo.

Climate of Hunter (1984)

Eis a trilha do exílio de Scott Walker. Após as fracas vendas de Scott 4 e a estranha decisão de voltar com os Walker Brothers, com Nite Flights (1978), Scott demorou um bocado para externar seu senso de isolamento.

Climate of Hunter, porém, não encara isso como uma coisa ruim. Num estilo meio pós-punk-avant-garde, Scott Walker chamou feras como o saxofonista Evan Parker para criar um ambient límpido. Percebe-se uma voz com mais pesar solitário, vide “Sleepwalkers Woman”, que chega ao extremo em “Track Seven”, quando percebemos Scott domando cordas e percussões a favor da sua narrativa – algo que ele intensificaria em sua obra mais recente, mas não de forma previsível, claro.

Tilt (1995)

Sim, demorou 11 anos para lançar o disco seguinte, mas Tilt seria o primeiro passo do que tornaria a obra de Scott Walker definitivamente idônea e sem comparações. Aqui começa a trilogia que seria sucedida por The Drift (2006) e Bish Bosch (2012), talvez o álbum mais difícil que ele lançaria em toda a sua carreira.

Em Tilt, pela primeira vez, temos a música de Scott Walker como completa experiência. Ouvir “Manhattan” ainda soa devastador, graças à obscura orquestra que aprofunda o sentimento de clausura. “Bolívia 95”, por outro lado, sonoriza um longínquo campo, com percussão operante e acordes melancólicos. Quem pretende conhecer a fase mais interessante e musicalmente rica de Scott Walker, invariavelmente, tem que começar por aqui.

Soused – com Sunn O)))) – 2014

Após fechar a trilogia com Bish Bosch, e ir para um selo que tinha mais a ver com sua proposta sonora, a 4AD, Scott Walker passou a colaborar com outros músicos (seu último registro, por exemplo, foi ao lado de Sia, na trilha de Vox Lux). A melhor delas foi Soused, com a excelente banda de post-rock Sunn O))), que captou muito bem a formas, as improbabilidades e as diferentes justaposições técnicas do estilo de compor de Scott. Destaque para “Herod 2014” e “Lullaby”, que encerra de forma brilhante um disco que exige confronto e tem tudo para surpreender os ouvintes, sejam eles neófitos ou recorrentes.

Sobre o Autor

Tiago-Ferreira
Tiago Ferreira
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Editor responsável do Na Mira do Groove, fã de jazz, hip hop, samba, rock, enfim, música urbana em geral.