Fabricação de guitarras: quem realmente produz “aquela” marca?

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Quando eu comecei a frequentar feiras de música no início dos anos 2000, sempre havia grandes estandes cheios de baixos e guitarras de todas as formas e cores em exposição. Os funcionários desses estandes geralmente pareciam entediados e raramente atendiam algum cliente interessado, mas também não pareciam se importar com isso. Quando aparecia um cliente, raramente ele pegava em um instrumento. Na maioria das vezes, nem sequer havia um amplificador para testes dos instrumentos. Levei um tempo (na minha santa ingenuidade) para entender esse modelo de negócios no mundo da fabricação de guitarras.

Aqueles caras eram, na verdade, membros da equipe de vendas da “indústria de fabricantes fantasmas”, um termo que aprendi muito mais tarde. Como as compras agora acontecem online, estandes como aqueles estão desaparecendo lentamente, mas as respectivas empresas continuam a crescer.

A fabricação de guitarras por indústrias fantasmas não é imoral e esse modelo é bastante comum em muitos ramos do comércio, mas como o setor da música é uma indústria movida por emoções e imagens, esse tipo de coisa pode soar um pouco suspeito e fraudulento para alguns de nós.

Aviso: não haverá nomes de marcas mencionados nesta coluna. Você certamente pode tentar procurar informações sobre a fabricação de guitarras e baixos na internet, mas lembre-se de que nem tudo na Web é verdadeiro!

Não chega a ser um segredo, não há declarações oficiais e é difícil obter informações concretas por razões óbvias, mas há rumores de que mais de 90% de todos os baixos e guitarras são feitos por apenas três fabricantes. Existem marcas concorrentes fabricadas nas mesmas máquinas CNC e provavelmente da mesma pilha de madeira. Alguns fãs obstinados podem ficar chocados ao saber que seu fabricante favorito de instrumentos é apenas um escritório que faz encomendas para as bancadas de trabalho mais baratas disponíveis no exterior.

Claro, é fácil considerar esse tipo de manufatura coletiva como predatória e um obstáculo à inovação e à diversidade. Ao mesmo tempo, no entanto, foi o que possibilitou reduzir os custos e elevar a qualidade dos instrumentos de baixo e médio preço para todos nós nas últimas duas ou três décadas.

Os fabricantes fantasmas não se limitam apenas à produção em grande quantidade. Se algum artista que endossa uma determinada marca não estiver satisfeito com o instrumento que a linha de produção oferece, a maneira mais fácil de agradar a todos é obter uma réplica única, feita à mão por um luthier ou construtor de boutique.

Esse cenário, na minha opinião, não é tão comum entre nós baixistas, pois geralmente não somos a pessoa de frente da banda. Mas para as estralas na frente do palco: você conhece um microfone personalizado ou de boutique para vocalistas? Eles existem? Eu digressiono, mas deixe-me fazer uma pergunta diferente para os músicos por aí: você tem algum problema com os métodos de produção acima mencionados? Eu pessoalmente não tenho, mas dentro de certos limites.

Eu acho que os endorsers que promovem sua guitarra “custom-built“, sem mencionar que não é o modelo XY padrão da marca, estão mentindo para seus fãs. Diga a verdade ou não diga nada. Além disso, uma marca que produz 99% de um instrumento no exterior não deve colar um adesivo que proclama “Made in U.S.A.” ou qualquer que seja o local. Isso é desleal com seus clientes. Os termos “projetado” (“designed“) ou “montado” (“assembled”) podem ser um disfarce desonesto, se também não forem seguidos pela identificação da origem real.

Todo construtor, é claro, faz alguma terceirização até certo ponto, e nenhum cliente realmente espera que uma grande marca ou luthier fabrique todas as peças por conta própria. Seria tolice esperar que eles fizessem suas próprias tarraxas, hardware, cabos, jacks de saída, potenciômetros, etc. Mas, a meu ver, braço, corpo, acabamento, trastes, marcenaria e montagem são uma história diferente.

Tudo isso dito, há algo para aprender e aceitar do ponto de vista dos clientes: ajuste suas expectativas. Como qualquer outra coisa, se você espera receber uma certa exclusividade, terá que pagar um determinado preço. Caso contrário, você precisará ser bom com produtos produzidos em massa. Não há nada de errado com produtos dessa natureza, apenas não se deve chamar um novo modelo produzido em massa de “XY Custom” ou “XY Vintage“. Eles não são especiais nem antigos.

Hoje em dia os estandes de construtores fantasmas são uma raridade nas feiras de música, porque é muito mais fácil e barato compartilhar informações e renderizações online. Aliás, esse modelo de negócios também está disponível para construtores menores. Por que eles também não deveriam aproveitar os mesmos serviços que os grandões? Em todo caso, isso definitivamente confunde a linha entre um instrumento local, artesanal, e um kit montado.

A maioria dos luthieres de pequena escala, que comercializam coisas como madeiras selecionadas e sua própria expertise, também estão usando CNC hoje em dia, o que é totalmente compreensível e amplamente aceito. Mas ainda pode ser chamado de instrumento artesanal se eles estiverem terceirizando os braços já com trastes e totalmente finalizados?

Pense bem: as grandes marcas concorrentes podem até concordar em obter peças da mesma pilha de madeira para a fabricação de guitarras, mas o que sobra como um argumento de venda exclusivo para um instrumento de boutique “artesanal”, se um componente for feito na mesma linha de produção das maiores marcas? Apenas curiosidade.


Heiko Hoepfinger é um físico alemão, baixista de longa data, violonista clássico e entusiasta de motocicletas. Seu trabalho em células de combustível para o veículo orbital europeu Hermes o levou a formar o BassLab (basslab.de) – sua marca de guitarras e baixos.


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Artigo originalmente publicado em Premier Guitar, traduzido e publicado por Musicosmos sob licença de Premier Guitar. Todos os direitos reservados.