Jards Macalé entre desesperanças e maturidade

Macale no palco. Foto de Luciano Viana [CC BY 2.0], via Wikimedia Commons

A música de Jards Macalé não é fácil de decifrar. Porque não é isso que ele quer.

Seu novo disco, Besta Fera, é o retrato tenso do Rio de Janeiro, cidade que tem protagonizado um caos na administração pública de diferentes magnitudes.

O cantor não se preocupa em enumerar o saldo da guerra contra o tráfico, a falência financeira e governamental ou as feridas abertas dos milicianos de uma cidade que não pode mais ser vista como maravilhosa.

Ainda assim, toda essa obscurescência está lá em Besta Fera. O samba é torto e o canto não é nada harmônico. As crônicas não são felizes e o clima não é ameno. Como disse um dos compositores, Kiko Dinucci, é um disco sobre o fim para, então, buscar um novo recomeço.

Mas, para o ouvinte, esse fim não é tão claro assim. As muitas audições revelam um constante estado de espírito niilista. Em “Trevas”, Jards cria um ciclo de término, murmura algo ininteligível e retoma: ‘Treva, a mais negra sobre os homens tristes’. É um verso carregado de raiva e melancolia, provavelmente externando insatisfação com o que acontece ao redor.

Na seguinte, “Buraco da Consolação”, Jards diz que ‘a esperança há muito se foi’ em um outro cenário: o centro da cidade de São Paulo, ambiente recriado ao lado de Tim Bernardes. O som de cabaré ao fundo evoca um tipo de valsa da decadência em que o fundo do poço é parte da essência do descobrimento do amor.

Seja no Rio ou em SP, a metrópole é o significado do incômodo para Jards Macalé. As pessoas, o clima e a indiferença moldam seres humanos cheios de medo e muita ansiedade. A forma com que lida com esses cidadãos, porém, só pode ser uma: por meio de um niilismo provocativo. A crônica “Pacto de Sangue” fala da entrega involuntária de cada um para sobreviver em um ambiente intrinsecamente caótico. Ao lado de Juçara Marçal, em “Peixe”, tem-se a alegoria do animal que se afastou do homem.

Esperança que vem do caos

A forma com que Jards Macalé evoca esperança é pura filosofia. Sua música traduz a dualidade da desilusão e do positivismo como parte de um processo complexo que, na condição de ser humano, significa extravasar.

Na mencionada “Peixe” (composição de Rodrigo Campos), a abertura sonora pelos sopros inspira o cantor a entoar ‘vamos chamar o vento’, em busca da própria libertação. Em “Obstáculos”, Jards faz de um cenário decadente a poesia de superação: ‘Tem mesmo é que seguir’, diz, em uma de suas canções mais reflexivas. ‘Vou levando a vida assim/Tem montanhas, obstáculos/Tem pedreiras, não derrapo’. “De qualquer forma, músicas como “Obstáculos” e “Peixe” falam de sobrevivência, de vontade de viver”, explicou Jards em entrevista ao jornal O Globo.

A condição humana é a práxis de Besta Fera e compreende vontades, anseios, observações e posicionamento. A linguagem de Jards Macalé pode parecer estranha, principalmente para quem não está habituado com a sua música. Entretanto, ela reflete a dificuldade dos percalços de uma vida em que dores e alegrias coexistem, formando um ser humano maduro e nada previsível.

Sobre o Autor

Tiago-Ferreira
Tiago Ferreira
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Editor responsável do Na Mira do Groove, fã de jazz, hip hop, samba, rock, enfim, música urbana em geral.