Joe Zawinul – sobrevivente de guerra, músico de jazz, imigrante, pioneiro do fusion & hitmaker

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Foto: Bob Travis [CC BY-SA 2.0], via Wikimedia Commons

O austríaco Josef Erich Zawinul (1932-2007) foi um dos primeiros jazzistas europeus a causar um grande impacto no cenário da música americana. Durante o período final da II Guerra, já cursando o Conservatório de Viena, o então ainda jovem Joe foi transferido para uma localidade de proteção contra bombardeios para jovens pianistas talentosos na Checoslováquia. Foi durante essa reclusão, a despeito da rígida disciplina imposta por militares alemães, que ele descobriu o jazz.

Com o fim da guerra e com a forte presença americana na Europa, Zawinul começa a se destacar como pianista chegando a fazer parte do Austrian All Stars, grupo de proeminentes músicos de jazz do país. Mesmo com a reputação já estabelecida no seu país ele resolve se candidatar a uma bolsa de estudos para o Berklee College of Music em 1958 e no ano seguinte desembarca nos Estados Unidos disposto a  fazer parte da cena de jazz americana. Seu primeiro contato com os clubes de NY, justamente o Birdlandfoi tão impactante que 18 anos depois ele lançaria uma de suas composições de maior sucesso, justamente dedicada à casa de shows.

Joe durou pouco na escola, algumas semanas depois, ao ser indicado para fazer parte da big band de Maynard Ferguson (1928-2006), trompetista virtuose canadense, ele entra definitivamente na vida de shows, viagens, etc. No mesmo grupo de Ferguson estava também o saxofonista Wayne Shorter (1933-) com a qual Joe faria uma parceria que mudaria os rumos do jazz nos anos 70. Alguns meses depois Zawinul seria contratado pela cantora Dinah Washington (1924-1963).

Dinah Washington: What Difference A Day Makes

Washington foi a cantora negra mais popular dos Estados Unidos nos anos 50 e Joe foi o pianista que gravou a célebre canção What a Difference a Day Makes. Mas o trabalho que transformaria Joe em um nome reconhecido foi quando em 1961 ele foi convidado a fazer parte do quinteto de Cannonball Adderley (1928-1975), então um grupo de bastante sucesso.

Durante quase uma década no Cannonball Adderley Quintet, Joe teve também aulas com o pianista clássico Raymond Leventhal (1923-1988) que chegou a dizer que Joe seria capaz de tocar qualquer peça do repertório pianístico erudito. Nesse período, Joe Zawinul começa a compor para o grupo de Cannonball chegando a gravar com o quinteto mais de 50 composições suas. A parceria e a amizade com Cannonball foi determinante na sua carreira culminando com o lançamento de Mercy, Mercy, Mercy em 1966 que chegaria ao numero 5 da Bilboard Hot 100 marcando o que seria a última vez que um jazz instrumental chegaria tão alto na parada americana e popularizando definitivamente o piano elétrico no jazz.

Todo esse sucesso chamou a atenção de Miles Davis (1926-1991). O grande inovador do jazz convidou Zawinul para uma gravação e disse: Traga alguma música sua. Joe apresentou a Miles In a Silent Way que daria nome ao disco lançado por Miles em 1969.

O LP foi considerado um dos percursores do Jazz Fusion que Davis mostraria ao mundo com o álbum duplo Bitches Brew no ano seguinte que incluiria mais uma composição de Zawinul, Pharaoh’s Dance.

Apesar de nunca ter feito parte da working band de Miles para shows, Joe participou também dos discos Live Evil (1971) e Big Fun (1974). Nessa gravações estava também o saxofonista Wayne Shorter e juntamente com outro musico de jazz europeu, o baixista checo Miroslav Vitous (1947-) eles lançariam em 1970 o principal grupo de fusion da história: Weather Report.

Weather-Report
Joe Zawinul, Jaco Pastorius, e Wayne Shorter. Foto: Jean-Luc [CC BY-SA 2.0], via Wikimedia Commons

O grupo, que começou com uma banda de avant-garde, quase um free jazz, possuía uma sonoridade mais contemporânea com Joe tocando piano elétrico com muitos efeitos e aos poucos evoluiria para novas estruturas composicionais a partir do desejo do próprio Zawinul de abandonar as estruturais originais de canção sob as quais o jazz havia se estabelecido, os tradicionais AABA, AABC, etc., e solos sobre 8, 12 ou 16 compassos por exemplo.

O que começou como um núcleo de trio – Zawinul, Shorter, Vitous – se torna um duo com a saída de Miroslav e eles começam a ampliar o escopo de sonoridade do grupo convidando músicos mais próximos do soul (Andrew White (1942-) – baixista de artistas como Jackson 5 Stevie Wonder, Alphonso Johnson (1951-) –  que depois trabalharia com Santana e Phil Collins) e principalmente instrumentistas de várias nacionalidades como o peruano Alex Acuña (1944-), os brasileiros Airto (1941-), Dom Um Romão (1925-2005) e Alyrio Lima, os porto-riquenho Jose Rossi e Manolo Badrena (1952-) e o francês Mino Cinelu (1957-) abrindo um caminho que mais tarde seria conhecido como World Music.

Com a entrada do baixista Jaco Pastorius (1951-1987) e o lançamento do LP Heavy Weather  em 1977 (este que seria disco de ouro com mais de 500 mil cópias vendidas) com destaque para o segundo mega hit de Joe, Birdland, o Weather Report se torna um super grupo se apresentando em locais incomuns para um grupo de jazz, como estádios e grandes festivais.

Nesse momento, Joe praticamente já abandonou a forma canção e suas composições muitas vezes são longas narrativas como por exemplo A Remark You Made; Night Passage, na qual uma melodia jamais é repetida; Mr. Gone, composta sobre uma linha de ostinato no arpejador do sintetizador Polysix; etc. Certamente podemos dizer que as composições de Joe Zawinul abriram portas para novas narrativas musicais no jazz.

Após o fim do Weather Report em 1986 Joe continuou montando seus grupos, o mais significativo deles sendo o Zawinul Syndicate onde continuou explorando os caminhos iniciados no Weather Report utilizando-se de ostinatos, estruturas modais mas principalmente se aproximando cada vez mais da fusão de ritmos e práticas de várias partes do mundo, principalmente da África.

Após sua morte um grupo de músicos que havia trabalhado com ele, formou um grupo chamado The Syndicate dedicado à sua música.


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Sobre o Autor

Saxofonista-AC
AC
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Saxofonista com bacharelado em Performance na Berklee College of Music em Boston (1991) e mestrado em saxofone pela California Institute of the Arts (1993) e doutorado pela UNIRIO (2005) . Em Boston, ao se formar recebeu o prêmio Berklee Woodwind Performance Achievement Award. Entre os seus professores destacam-se Ernie Watts, George Garzone, Charlie Haden e Hal Crook. No Brasil já trabalhou com o Zimbo Trio, Alaíde Costa, Severino Araújo, Robertinho Silva, Paulinho Braga, Claudio Infante, Marcio Montarroyos, Adriano Giffoni, Victor Biglione, Nelson Faria, Nivaldo Ornellas,entre outros. Já gravou os albums Solari Jazz (1998), Brazilian Acid (2001), Soundscapes (2005), Naked Truth (2002), AC Jazz (2008), Atelier Jazz (2013), Ponte Aérea (2014) e AC Jazz Rio Blue (2015). Foi professor por cinco anos na Universidade Estácio de Sá lecionando Técnicas de Produção II e Introdução ao MIDI, Softwares de música e Workstations, Música Eletrônica e Síntese de Som, Produção Musical e Sonoplastia para Radio / TV e Harmonia. Atuou também professor substituto de saxofone da UNIRIO por dois anos, sendo responsável pelas aulas de saxofone e improvisação. A partir de 2011 assumiu como professor adjunto na Escola de Comunicação da UFRJ lecionando cadeiras ligadas à produção de audiovisual, sendo por uma ano Diretor de Graduação e Coordenador da Habilitação RTV. Atua também no Mestrado Profissional da Escola de Comunicação da UFRJ no programa de Mídias Criativas do qual foi um dos criadores e vice-coordenador por cinco anos. Em 2017, sua tese de doutorado foi lançada por duas editoras, uma na Europa e outra no Brasil, a CRV, com o título O Saxofone e a Improvisação Jazzística na Música Instrumental Brasileira.