Aerosmith no palco em 2003.

Não é incomum o questionamento da qualidade da voz dos vocalistas quando se aborda a geração do rock que se estende dos anos 1960 até o hard rock da década de 1980. A quantidade de cantores tenores surgindo no período citado é um ponto importante de observação.

Estes vocalistas já possuem uma região normal, a zona da “voz falada”, localizada em pontos bem agudos da escala musical. As notas cantadas nessas épocas e alcançadas em tantas gravações chegavam na região de alcance de muitas mulheres, e notas cantadas por homens na maioria das bandas.

O leitor pode fazer a seguinte pergunta: Há algum problema se um vocal masculino está numa região aguda? A resposta natural diante deste questionamento seria “Não”, mas a mais correta é o “Depende”. E por que depende? Porque depende do nível técnico tratado.

Um cantor de ópera termina a carreira com a voz muito mais intacta do que a maioria dos rockeiros, e isto se deve ao fato de que a maioria do primeiro gênero tem mais estudo de projeção de voz. Apesar de haver muitos motivos de relevância, esse é o realmente primordial.

Abordemos alguns tópicos a seguir.

1. Técnica Vocal

Neste tópico há a necessidade de diferenciar cantar bem de ter uma voz bonita. O rock esbarrou durante muito tempo nesse conceito.

Existem 3 tipos de vozes no canto, no que diz respeito às suas regiões relacionadas à frequência: Voz de peito (notas graves e região da fala), voz mista (notas médias e agudas) e voz de cabeça (notas mais agudas). Em uma abordagem mais profunda, podemos encontrar definições sobre whistles, superagudos e outros que não cabem no escopo deste texto. O conceito de “voz mista” também é questionado em diversas literaturas.

Muitos dos rockeiros vocalistas têm pouco cuidado em como cantar em cada registro. Na prática o que se vê muitas vezes são cantores utilizando as configurações e molduras de trato vocal mais comuns para o peito, a região da fala, para os três registros. É a famosa ideia de “cantar na marra”, “se esgoelar”, que produzem aquelas onde são vistas as veias do pescoço de quem canta e uma certa fadiga. Os danos causados pela prática durante anos e anos são inevitáveis e muitas vezes irreversíveis. Talvez seja a causa principal para muitos cantores terem “perdido a voz”. Uma das pesquisadoras mais renomadas no mundo, Cathrine Sadolin, relata o uso da má técnica como um ciclo vicioso.

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2. Excesso de shows

O excesso de shows e o pouco descanso consequente são extremamente perigosos e nocivos à saúde vocal. Quando somado ao item 1 deste texto, aí o caso fica ainda pior.

Todos os cantores precisam de um tempo de relaxamento e descanso para a voz. Assim como atletas necessitam de repouso após uma atividade intensa, o vocalista não tem vida muito diferente. Além do uso intenso da voz durante o show, há um cansaço natural do corpo: Algumas pesquisas mostram que 70% da voz se concentram na boca, ou melhor, na região vocal que inclui o rosto (Som de máscara, som anasalado e outras tipos de sons onde o rosto tem um papel importante), palato, língua, no geral, elementos localizados na boca. Os outros 30% dependem do resto do corpo. Um corpo esgotado terá essa porcentagem prejudicada.

3. Drogas

Constante nas gerações anteriores, caminhamos hoje para uma geração mais clean. Mas é importante ser mais específico em definir droga.

No caso do Brasil, nos referimos sempre às ilegais, uma definição que seria diferente ou menor para o Uruguai (onde a maconha é liberada), Canadá. Quem sabe para os tchecos? A República Tcheca apresenta uma legislação mais flexível no que diz respeito ao assunto (até o ecstasy pode ser consumido até certa quantidade especificada na lei que regula a descriminalização das drogas, o que é diferente da sua legalização para venda).

Drogas, para a ambição deste post, são definidas como toda substância, natural ou não, que modifica as funções normais de um organismo. E no caso da voz, cigarro e álcool são drogas perigosas e tão prejudiciais quanto as proibidas. É claro que não vai ser uma ida ao bar com os amigos para tomar um copo de cerveja que vai tirar a voz de um cantor, mas uma boa parte da turma do rock passou muito dessa dose.

Há até um mito de que a bebida alcoólica antes de cantar aquece a voz. Na verdade, o que o álcool faz é relaxar a musculatura e atrapalhar o funcionamento das cordas vocais. Além disso, um dos efeitos da bebida alcoólica é a dilatação dos vasos sanguíneos das membranas de muco das cordas vocais inchando levemente as cordas vocais.

O cigarro, das drogas, parece ser a mais nociva para cantores. Alguns especialistas dizem que é o cigarro quem causa a maior irritação da laringe e resseca as cordas vocais (para o cantor, há maior conforto quando essas estão umidificadas. Por isso alguns optam pela nebulização antes de shows intensos). Não abordarei as outras drogas aqui, mas os efeitos são similares.

Como a voz é produzida?

Para quem quer entender um pouco melhor o que é o canto, abaixo cito alguns dos elementos abordados no livro da cantora Cris Delanno, “Mais do que nunca é preciso cantar”.

A voz é composta pelos seguintes elementos:

  • Motor: Produz e transmite energia; no caso da voz, a pressão do ar que sai dos pulmões.
  • Vibrador: Converte a energia em vibrações sonoras; no caso, as pregas vocais (conhecidas como cordas vocais) que se unem e vibram produzindo o som.
  • Ressonador: Que fortalece os sons e os modifica aumentando a potência. Na voz, são os locais onde a voz vibra amplificando o som. Principais ressonadores: laringe, faringe, boca, cavidades na base do crânio, passagem e cavidade torácica.
  • Articulador: que nos possibilita formar as consoantes. Os articuladores são a língua e os lábios, que são flexíveis, agindo de encontro com o palato (Céu da Boca) e dentes, que são inflexíveis.

A especialista em voz Cathrine Sadolin costuma dividir o canto em três parâmetros: tipo, coloração e efeitos. O tipo oferece quatro possibilidades possíveis: “Neutral”, “Curbing”, “Overdrive”, “Belting” (traduções aqui não dão sentido). Esses são os modos vocais de acordo com o quanto de metálico é ouvido na projeção. Cada um desses tipos usa uma região com mais intensidade.

A coloração diz mais respeito à dinâmica do canto (se é pianíssimo ou forte) definidos por proximidade do claro e do escuro, que estão relacionados ao trato vocal (quanto maior o trato, mais escuro).

Efeitos são algumas fugas da voz teoricamente pura e correta, como vibrato, distorção, são maneiras de deixar seu som diferenciado. É o mesmo que um guitarrista faz com uma pedaleira por exemplo.

Em algumas literaturas, o escritor dirá que “nosso corpo é um violão”, devemos saber explorar a ressonância e o timbre é único. Outros abordam a voz como um instrumento de sopro. Tudo o que se faz é escolher a melhor maneira do ar passar e modelá-lo.

Alguns cantores de idade mais avançada perderam muito do brilho da voz e do timbre típico, mas não significa que não tenham condições de cantar mais. Às vezes é papel do cantor entender que precisa executar certa canção num tom mais baixo do que fora feito anteriormente, entender que é preciso mudar o repertório. Isso explica a migração do Bon Jovi, U2 e outras bandas, que foram muito intensas há muito tempo, para estilos onde a voz tem maior compressão, como o pop rock que ambos defendem muito bem.

Cada corpo reage de uma maneira. Steven Tyler sofreu diversos acidentes vocais. Há relatos/especulações de que havia até sangue em suas cordas vocais. Contratou um preparador vocal e até hoje faz treinamento intenso e uma preparação mais adequada para turnês. Seu histórico com drogas é bem amplo, de drogas mais leves até as internações por vícios nas mais pesadas. Mesmo assim, Steven ainda é um cantor de ponta. Sua passagem no Brasil mostrou que ele ainda consegue cantar muito bem e executar seus berros bem agudos e drive típicos. Além de ser alguém realmente mais resistente, suas boas apresentações se devem, sem dúvida alguma, a todo esse trabalho intenso por fora e o humilde reconhecimento de sua necessidade.

Mesmo com todos os erros cometidos pelos cantores nos tempos anteriores, é importante compreender que a técnica vocal pode prolongar uma vida no palco de maneira digna e recuperar um pouco do prejuízo que fora causado antes.

Sobre o Autor

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Eduardo Nepomuceno
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Eduardo Nepomuceno, carioca, é músico, produtor musical e escritor. Como músico, começou a aprender guitarra aos 13 anos. Estudou o instrumento na Escola de música Villa Lobos. Além de guitarrista, também aprendeu a tocar teclado e gaita, além de ter aprendido um pouco de baixo e violino. Também interessou-se por canto no fim da adolescência. Já estudara um pouco de técnica vocal na Villa Lobos, quando começou a apreciar coral. Depois estudou canto popular na Escola Elite Musical e depois seguiu sendo treinado pelo cantor Pedro Calheiros, filho de Rinaldo Calheiros, conhecido como "a voz que emociona". Nos treinos também dedicou-se ao canto lírico influenciado pelo gosto do professor por óperas italianas. Estudou produção musical na Escola de áudio Home Studio, do professor e músico Sérgio Izeckson. Passou a utilizar os conhecimentos adquiridos no curso para fazer gravações caseiras  e trabalhar com produções de baixo custo para músicos independentes. Já gravou músicos do estilo gospel, vocais usados para dublagens, além de ter trabalhado com canto popular e ensino de teoria musical. Além disso, também licenciou músicas na pequena carreira. Atualmente está se dedicando à gravação do seu projeto solo "O valor do primeiro ensaio", que terá músicas sonoras feitas essencialmente ao piano e com auxílio de guitarras, violão, baixo, orquestras programadas e cordas, mas sem elementos rítmicos como bateria. Também está escrevendo seus dois primeiros livros: "Artes de amor e guerra" e "Ópera das dores do mundo". Na área da escrita, já escreveu redações e colunas para um ramo do PN Record, antigo projeto da emissora. Atualmente publica seus textos no próprio blog. Entre seus assuntos abordados estão políticas de financiamento cultural, análises críticas artísticas e didática de áudio.