A banda mineira Skank anunciou uma pausa por tempo indeterminado depois de quase três décadas na estrada. Durante tantos anos juntos, os integrantes nunca tiveram uma briga notória que se tornasse pública. Essa união, aliada a parcerias com compositores notáveis como Nando Reis e Chico Amaral, somou-se à qualidade técnica dos integrantes e criou um vasto repertório de hits ao longo do tempo.
Com sucessos em todas as décadas que viveram juntos, sempre vêm à tona duas perguntas: Por que parar? E é a hora ideal?
Não existe momento correto para um grupo artístico interromper seu trabalho. Há quem acredite que o momento ideal seja aquele de menor criatividade, mas também existem aqueles que acham que o ideal seja “terminar no ápice”. Os mineiros do Skank conseguem misturar esses momentos, e, talvez por isso, este fim ou “até logo” tenha comovido tanto os fãs, que esgotaram ingressos em diversos estados do país, criando inclusive algumas datas extras em alguns locais.
Quem aqui escreve para vocês é um grande fã da banda, e confesso que este possível fim é algo que nunca desejei. Não obstante esta observação, faço uma análise da carreira da banda a seguir, a fim de explicar o porquê de achar que a banda “mistura tipos de momento” e, devido a isso, gera tamanha comoção.
Quando surge nos anos 1990, o Skank começa com uma proposta de som com mais ênfase no ska e reggae. No seu primeiro álbum “Skank”, de produção independente, há diversos tributos como as versões de “Let me try again” (música eternizada na voz de Frank Sinatra) e “Tanto (I want you)” (Bob Dylan), gravações bem diferentes das originais, que mostravam bem a característica da banda. Destacam-se também “Salto no asfalto” e “Indignação”.
Os álbuns seguintes, “Calango” e “Samba Poconé”, mantêm este perfil. Não por acaso a banda fez recentemente uma turnê em homenagem a esses álbuns. Hits eternizados estão nessas obras: “Jackie Tequila”, “Te ver”, “Pacato cidadão”, “O beijo e a reza”, “Garota nacional”, “Tão seu”, “É uma partida de futebol”, “Eu disse a ela”, e outros.
Destaco alguns pontos aqui. Nos dois primeiros discos, o ritmo das músicas é mais marcado, mais próximo ao reggae muitas vezes. Já no Samba Poconé o ritmo e andamento são notoriamente mais acelerados, a guitarra ganha certa distorção em alguns momentos. Além disso, no Samba Poconé começa a parceria com Nando Reis, em “É uma partida de futebol”.
A forma de ver o amor nas letras se tornaria mais profunda nos álbuns seguintes, enquanto nos dois primeiros discos é mais leve, até pelas harmonias mais simples.
O álbum “Siderado” é aquele que, ao meu ver, caracteriza um princípio de transição de estilo da banda, deixando um indicativo para uma mudança de estilo, que seria consolidada na obra posterior, o “Maquinarama”.
O disco tem faixas que mantêm o ritmo acelerado do anterior: “Siderado”, “Romance Noir” e “Saideira” são os destaques. No entanto, a faixa “Resposta”, que marcaria a parceria com Nando Reis e a futura aventura da banda em outros nichos, era o grande marco do álbum.
Até este álbum praticamente todas as músicas tinham como marca pessoal o uso de arranjo de metais, um teclado bem característico, o reggae e ska, enquanto a guitarra tinha função mais discreta, com as linhas de baixo bem típicas do reggae também, se destacando mais que a guitarra de Samuel e a bateria de Haroldo. “Resposta” corta o uso de metais, apresentando o violão como instrumento central, além de uma letra mais profunda sobre relação.
Daí a banda entraria em uma outra fase, mais próxima até ao britpop dos anos 1990, e bem distante daquela que era sua proposta inicial.
No álbum “Maquinarama”, a guitarra ganha destaque e os metais praticamente perdem sua função. Nas faixas “Água e fogo”, “Maquinarama” (que dá nome ao álbum), “Rebelião”, “Última guerra” e “Fica”, fica evidente esse perfil.
As baladas, que tornam-se os hits aqui, possuem arranjos focados na guitarra também, usadas de maneira mais leve, com efeitos como o “chorus” sendo bem ouvidos.
“Ela desapareceu”, “Balada do amor inabalável”, “Canção noturna” e “Ali” são os destaques. A última com parceria com Nando Reis. “Canção noturna” traz introdução com violão novamente.
Nando assina apenas uma faixa no disco, mas a banda torna-se mais amorosa de maneira geral, mais profunda, abrindo mão até do tom crítico social dos três primeiros álbuns, apesar de ainda presente em uma faixa, “Rebelião”.
“Ali” é uma faixa bastante intensa, os laços entre a banda e Nando se consolidam. Chico Amaral, outro letrista da banda, mostra sua versatilidade, com letras leves e críticas no início da banda, e depois seguindo o ritmo de Nando Reis.
O Cosmotron, obra seguinte (aqui desconsidero o MTV ao vivo), consolida essa mudança de perfil. Além disso, é um álbum com mais escritores, com participações como a de Fausto Fawcett (“Supernova”), Humberto Effe (“Pegada na lua”) e Lô Borges (“Dois rios”).
Em alguns momentos a banda soa similar a Oasis ou Stereophonics. É o álbum preferido pelos fãs rockeiros. Além dos sucessos “Vou deixar” e “Dois rios”, são notáveis as seguintes faixas: “Supernova”, “Por um triz”, “Os ofendidos”, “Amores imperfeitos”, “As noites”, “Nômade” e “Formato mínimo”.
As três primeiras seguem a linha do rock britpop consagrado na época. Samuel Rosa é fã declarado da banda Oasis, e, de fato, podem ser observadas algumas semelhanças com álbuns da banda britânica produzidos na mesma época.
Ao leitor, vale ouvir as músicas “Go let it out”, “Who feels love?”, “She is love”, “The hindu times” e “Force of Nature”, canções do “Standing on the Shoulder of Giants” e “Healthen Chemistry”, produções do grupo dos irmãos Gallagher.
Enquanto isso, as outras faixas de destaque se aproximam mais do Clube da Esquina, movimento admirado por Samuel. Não por coincidência, aparece a primeira parceria em composição com Lô Borges, integrante do movimento e autor de músicas consagradas como “Equatorial”, “Paisagem da janela”, “Quem sabe isso quer dizer amor?”, etc.
Chegando ao pop rock
A produção seguinte, “Radiola”, é praticamente uma coletânea, com oito faixas do álbum anterior, apresentando apenas como novidades, que seguiriam em shows das turnês futuras, a versão de “Vamos fugir” (Gilberto Gil) e “Um mais um”, com uma linha mais próxima ao Maquinarama.
“Carrossel” traz uma pegada mais leve, mais em direção ao pop rock. As faixas mais próximas ao rock, se comparadas ao Maquinarama, possuem menos peso na guitarra. “Até o amor virar poeira”, “Uma canção é pra isso” e “Mil acasos” são exemplos. “Seus passos” e “Trancoso” mostram baladas mais leves, próximas ao que começava a dominar a grande mídia.
É interessante observar que a banda mineira sempre foi muito coesa, sabendo fazer as transições de estilo, e mantendo a coerência dentro dos seus discos. E acrescenta-se: Este trabalho foi sempre feito com certa independência ao que era produzido na indústria fonográfica em demasia, e mesmo assim fez a banda muito bem sucedida. Esta fase pop rock se aproxima mais do que é produzido no momento, acompanhando uma tendência.
Podemos observar, por exemplo, essa migração de estilo no Bon Jovi, que já nessa época apresentara músicas como “All about lovin you” e “Who says you can’t go home?”, além do sucesso de grupos como o Maroon 5, e bandas até de sucesso mais passageiro como o The Calling. Não há necessariamente semelhança entre o Skank e essas bandas citadas, nem mesmo entre elas, mas os sucessos que vão às estações de rádio possuem alguma, mais presas ao pop rock, balada, música romântica.
Também ressalta-se: O Skank não se resumiria ao pop a partir de então, mas focaria em faixas específicas nesse nicho para disputar esse espaço.
Os últimos álbuns de inéditas, “Estandarte” e “Velocia” são álbuns de muitas faixas interessantes, porém perdem um pouco da coerência entre as faixas.
O que isso quer dizer? O Skank apostara até este momento em álbuns focados em um estilo, deixando de vez em quando um indicativo para as obras futuras. O Estandarte não traz esta observação. Os metais voltam em “Para-raio”. Mais próximas às faixas mais antigas são “Noites de um verão qualquer” e “Escravo”, a primeira uma espécie de reggae mais acústico, sem utilizar os metais, e a segunda com ritmo mais pop rock.
No entanto, há espaço para “Sutilmente”, talvez o maior sucesso da banda nos últimos 15 anos, e “Ainda gosto dela”, canção com a mesma pegada de “Resposta”, todas essas com assinatura de Nando Reis. Ou seja, a banda consegue espaço na grande mídia, apresentando-se para novos fãs, mas também manda sinais para fãs mais presos às raízes do grupo.
Aparece no álbum também a faixa “Chão”, talvez a composição mais rock’n roll do grupo. Ou seja, em um único álbum a banda consegue acenar para fãs mais antigos, se apresentar para uma outra geração de fãs e ainda passar pelo rock. As faixas do álbum são boas, mas se conectam menos.
Antes da gravação do DVD no Mineirão, a banda volta para suas origens com “De repente”. Em 2010 lança também “Fotos na estante”, numa linha mais próxima de “Sutilmente”.
Em “Velocia”, segue-se em um ritmo mais pop, com novos acenos aos fãs mais antigos. “Do mesmo jeito” e “Alexia” mantêm a fase pop rock, dando espaço, inclusive, para o tema futebol novamente.
“Galápagos” e “Ela me deixou” acenam para os fãs mais antigos. “Aniversário” e “Esquecimento” mantêm os fãs de “Ainda gosto dela” e “Sutilmente”, uma música romântica ao violão e um dueto.
“A noite” é a canção de rock do disco, como aconteceu em “Chão”, no álbum anterior. Vale observar também o intervalo maior entre os álbuns de inéditas: Seis anos. Em 2018, a banda lançou “Algo parecido”, mais uma vez atendendo aos fãs das músicas românticas.
Chegada ao hiato
Muitas pessoas se surpreenderam com a pausa do Skank. Todavia, parece que a banda sempre almejou essa pausa.
Analisando friamente a música do grupo, os sinais talvez tenham sido dados ao longo do tempo. O grupo tentou agradar todos os tipos de fãs nas últimas obras, e ao mesmo tempo estando na grande mídia. A criatividade do grupo não acabou, mas talvez essa perda da coerência interna dos álbuns seja um indicativo de que a pausa venha em boa hora.
Ao longo de tantos anos de carreira, o Skank desfilou seus hits por diversos gêneros musicais, conquistou fãs do pop rock, do reggae, da MPB e do rock. Obviamente, se seguissem juntos, os integrantes certamente trariam novas músicas com qualidade, pois são excelentes músicos. No entanto, talvez haja um consenso dentro da banda de que a banda possa começar a se tornar cover de si mesma, e não queiram, no momento, passar por isso.
Mais do que uma decisão de cunho pessoal, é uma decisão artística. Despedidas não são fáceis, mas a banda parece ter calculado quando viria esse momento, como fizera até então com toda a carreira, com cada transição de estilo, com cada sinal que sempre deu ao seu fã. Não é necessário provar mais nada: O Skank está entre as grandes bandas da história do país.
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Sobre o Autor
Eduardo Nepomuceno
Eduardo Nepomuceno, carioca, é músico, produtor musical e escritor. Como músico, começou a aprender guitarra aos 13 anos. Estudou o instrumento na Escola de música Villa Lobos. Além de guitarrista, também aprendeu a tocar teclado e gaita, além de ter aprendido um pouco de baixo e violino. Também interessou-se por canto no fim da adolescência. Já estudara um pouco de técnica vocal na Villa Lobos, quando começou a apreciar coral. Depois estudou canto popular na Escola Elite Musical e depois seguiu sendo treinado pelo cantor Pedro Calheiros, filho de Rinaldo Calheiros, conhecido como "a voz que emociona". Nos treinos também dedicou-se ao canto lírico influenciado pelo gosto do professor por óperas italianas. Estudou produção musical na Escola de áudio Home Studio, do professor e músico Sérgio Izeckson. Passou a utilizar os conhecimentos adquiridos no curso para fazer gravações caseiras e trabalhar com produções de baixo custo para músicos independentes. Já gravou músicos do estilo gospel, vocais usados para dublagens, além de ter trabalhado com canto popular e ensino de teoria musical. Além disso, também licenciou músicas na pequena carreira. Atualmente está se dedicando à gravação do seu projeto solo "O valor do primeiro ensaio", que terá músicas sonoras feitas essencialmente ao piano e com auxílio de guitarras, violão, baixo, orquestras programadas e cordas, mas sem elementos rítmicos como bateria. Também está escrevendo seus dois primeiros livros: "Artes de amor e guerra" e "Ópera das dores do mundo". Na área da escrita, já escreveu redações e colunas para um ramo do PN Record, antigo projeto da emissora. Atualmente publica seus textos no próprio blog. Entre seus assuntos abordados estão políticas de financiamento cultural, análises críticas artísticas e didática de áudio.