Julian Bream: 1933-2020

Julian Bream morreu aos 87 anos em sua casa, na Inglaterra, em 14 de agosto de 2020. Sua influência ainda deverá ecoar no mundo do violão clássico e popular por muitos anos.

Passei minha infância em Buffallo, Nova Iorque, praticando obstinadamente meu repertório ao violão, e o maestro inglês Julian Bream foi meu modelo como musicista clássico, mais do que qualquer outro violonista.

Embora eu tenha ouvido bastante os discos de Andrés Segovia, John Williams e Christopher Parkening (junto com a nova geração de violonistas como David Russell e Manuel Barrueco), eu simplesmente gostava mais dos álbuns de Bream. Eu realmente amava ouvi-lo e não sabia o porquê na época.

Sentar-me na segunda fila do Kleinhans Music Hall da Buffalo Philharmonic em 1988 para seu recital de alaúde e violão foi como ficar a poucos metros de Paul McCartney. Eu tinha 14 anos e Julian Bream era um deus para mim.

Apesar de muitos avanços e evolução em termos de técnica, musicalidade e erudição, duas gerações depois de Bream, descobri que ele ainda era a personificação do artista clássico completo. Como um jovem profissional em turnê na década de 1990, descobri que, para inúmeros músicos que conheci em diversos lugares, Julian Bream ainda era o cara.

Bream faleceu aos 87 anos em sua casa em Wiltshire, no interior da Inglaterra, em 14 de agosto de 2020, deixando um amplo rastro de influência estabelecido por meio de aproximadamente de 100 álbuns, inúmeros vídeos e milhares de concertos durante meio século de apresentações.

Indiscutivelmente, Bream, por sua abordagem abrangente e fluida – e defesa da expansão do repertório do violão clássico – foi ainda mais importante do que Segovia para estabelecer o violão como um instrumento solista sério no reino clássico.

Devo confessar que, recordando os anos 1990, só recentemente me recuperei plenamente de um caso da Doença da Imitação de Julian Bream (JBED, Julian Bream Emulation Disease) que me acometeu durante minha adolescência. Eu ainda estava inseguro sobre isso aos meus 20 anos. Então, naquela época, ao ser questionado, sempre tinha o cuidado de nomear cinco a sete de meus violonistas clássicos favoritos sem uma ordem específica. O nome de Bream estava sempre lá, mas raramente no topo da lista.

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Um pouco de contexto é necessário aqui. Por um tempo, na década de 1990, parecia que as impressões digitais indeléveis do estilo de Bream se tornaram um pouco ultrapassadas. Seu uso apimentado e frequente de colorações, a mistura de dedilhados com apoio e sem apoio, elementos de floreio, humor e surpresa, a sensação de que ele estava inventando suas idéias interpretativas de improviso na hora, etc., essas coisas não eram a ordem estética da época.

Para muitas das gerações de guitarristas que vieram depois de Bream, havia um ideal mais conservador. Depois de incontáveis horas de treino, estudo e disputas, nós violonistas buscávamos chegar a uma interpretação “definitiva” de uma determinada peça musical.

Tocar com apoio deveria ser totalmente evitado. Havia incentivo para uma execução mais precisa de uma obra importante, ao mesmo tempo em que era dado à música um ritmo e tempo mais estritos, rubato discreto, etc.

Esta foi provavelmente uma reação geracional inevitável à violonistas como Segovia, Yepes, Lagoya, Presti e, por extensão, Bream. Como diria meu colega do Instituto de Música de Cleveland, Colin Davin, era uma disputa entre uma abordagem apolínea versus dionisíaca.

Eu mesmo passei por essa fase, porque como um jovem artista nos anos 1990, eu ainda não estava “totalmente resolvido” com a maneira como realmente queria tocar uma determinada peça musical. Em parte, isso se deveu aos grandes novos violonistas que conheci, com ideias diferentes e estimulantes (pelo menos para mim) sobre interpretação e estilo histórico.

E lembre-se de que os violonistas adquiriram bolsas de estudo há relativamente pouco tempo, em comparação com os pianistas e músicos de cordas – e hoje em dia podem obter diplomas avançados em quase qualquer lugar.

Na década de 1960, o Peabody Institute em Baltimore foi o primeiro grande conservatório dos EUA a iniciar um departamento de violão. Sharon Isbin fundou o departamento de violão da Juilliard em 1989. Mais perto de casa, fui inaugurar o departamento de violão do Curtis Institute of Music na Filadélfia, com meu colega David Starobin, apenas em 2011.

Tudo isso também foi antes do florescimento da internet, que logo permitiria o aprendizado instantâneo e a emulação fácil. Os membros da Geração X e mais velhos tinham que se virar com a biblioteca pública e a loja de discos local, ou com a apresentação de um violonista que passasse em um raio de 160 quilômetros – o que, quando eu era criança, meus pais e eu não perdíamos. Respeitamos qualquer pessoa com coragem para tocar um recital inteiro de memória, com um simples violão.

Então, eu queria conscientemente fazer o serviço “apropriado” e “definitivo” com qualquer peça na qual colocasse meus dedos e mente. Muitos de meus contemporâneos favoritos também compartilhavam essa abordagem.

Ao mesmo tempo, colegas mais experientes notaram que eu tinha um “som reconhecível”, o que alguns podem chamar de estilo. Isso me deixou inquieto aos 20 anos, porque eu pretendia, na minha mente, tocar a música da maneira “certa”. (O leitor pode dar uma risadinha aqui, isso me lembra a famosa citação de Wanda Landowska a Pablo Casals: “Você toca Bach do seu jeito, eu vou tocá-lo do jeito dele.”) 

Então, em comparação, Bream parecia o equivalente violonista de Austin Powers combinado com “the Dude”. Ele fez tudo da maneira que quis e não poderia se importar menos com o que um colega ou contemporâneo poderia pensar. Bream foi o contraste selvagem para o estilo estudioso e mais reservado de John Williams.

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Julian Bream com um estudante em Liechtenstein em julho de 1985. Photo by Georg Erlich / CC BY-SA 3.0

Essa era a vibe que Bream sempre parecia projetar em mim, como fã. Segovia certamente tinha um ar de confiança, na maneira como se comportava. Mas com Bream, parecia mais natural, genuíno, divertido, humilde, caloroso. Na minha imaginação, Segovia parecia esnobe e crítico, e Williams parecia legal, mas meticuloso. Bream era o cara com quem você poderia tomar uma cerveja (ou três) no pub local.

Claro, nunca conheci nenhum dos “Três Grandes”. E realmente, minhas reservas em relação a Bream eram pura bobagem. Na verdade, ele era indiscutivelmente incomparável como acadêmico e extremamente cuidadoso em sua maneira de tocar, mesmo tendo um som e abordagem totalmente pessoais. Mas eu fiquei mais velho e, à medida que a quantidade de meu próprio material para apresentação cresceu para 8-9 horas ou mais por temporada de concertos (mais os apertados prazos de gravação), minha reserva juvenil em relação a Bream diminuiu. Gradualmente, percebi que ele era um grande músico e artista clássico, independentemente do instrumento. Ele foi o principal modelo para mim.

E veja só, ele era capaz de tocar e esmerilhar sobre a harmonia dos clássicos do cancioneiro americano e temas de jazz (note, ele batizou um de seus cachorros como Django!) Bream era descolado, sofisticado e pé-no-chão, tudo ao mesmo tempo. Em retrospecto, ele era como um guitarrista do futuro.

Ele conduziu novas peças de violão de Arnold, Britten, Henze, Takemitsu e Walton, para citar alguns. Ele tocou alaúde na primeira metade de muitos de seus recitais. Se metade do público saía após a Parte 1 da cáustica Royal Winter Music de Hans Werner Henze, Bream não se importava. Isso aí é uma atitude tão rock ou punk quanto qualquer coisa dentro do mundo pop.

Álbuns como Classic Guitar, Popular Classics for Spanish Guitar, 20th Century Guitar, o LP de Villa-Lobos de 1978, o Granados/Albéniz, a série de vídeos ¡Guitarra! – e assim por diante. Provavelmente ouvi seu Concerto Villa-Lobos todos os dias no verão após meu último ano do ensino médio, e foi tão emocionante e interessante para mim quanto o disco do Public Enemy daquele ano.

Nada de exibicionismo falso, histrionismo barato ou cuidadosa manipulação de imagem. Apenas verdadeira confiança, vitalidade, talento artístico, musicalidade e um violão matador. Esta pessoa realmente existiu!

Seja a responsabilidade do músico com o instrumento, com o público, com o repertório, descobrindo obras inéditas de épocas passadas, explorando o repertório contemporâneo, equilibrando ano após ano apresentações de concertos, gravações ou seguindo uma voz e visão verdadeiras – Julian Bream fez tudo.

Pode-se argumentar que nenhum violonista clássico fez mais pelo instrumento e seu futuro. A quantidade e a variedade de suas contribuições são impressionantes.

Julian Bream sempre será um gigante em minha mente e em meu coração.

De Jason Vieaux

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