Victor Coelho, Boston University
Em uma época na qual bateristas de rock eram super estrelas com imensos kits e egos igualmente inflados, Charlie Watts manteve-se como um cara discreto por trás de uma modesta bateria. Mas Watts não era um típico baterista de rock.
Parte da formação dos Rolling Stones desde 1963 até sua morte, em 24 de agosto de 2021, Watts providenciou a batida de fundo para os grandes sucessos da banda injetando sua sensibilidade jazz – e suingue – ao som dos Stones.
Como musicólogo e co-editor de Cambridge Companion to the Rolling Stones – e também um fã que assistiu os Stones ao vivo mais de 20 vezes nas últimas cinco décadas – eu vejo Watts como parte decisiva para o sucesso da banda.
Como Ringo Starr e outros bateristas que emergiram durante a explosão do pop britânico dos anos 1960, Watts foi influenciado pelo som e suingue das big bands que foram imensamente populares do Reino Unido nas décadas de 1940 e 1950.
Modéstia com as baquetas
Watts não teve educação formal como baterista de jazz, mas jazzistas como Jelly Roll Morton, Charlie Parker e Thelonious Monk foram suas primeiras influências.
Em uma entrevista de 2012 para a New Yorker, ele relembrou como aquelas gravações influenciaram seu estilo de tocar.
“Eu comprei um banjo, e não gostei das marcações do braço,” disse Watts. “Então eu retirei o braço do banjo, ao mesmo tempo ouvi um baterista chamado Chico Hamilton, que tocava com Gerry Mulligan, e eu queria tocar daquele jeito, com vassourinhas. Eu não tinha uma caixa de bateria, então coloquei o corpo do banjo em um suporte.”
O primeiro grupo de Watts, Jo Jones All Stars, era uma banda de jazz. E elementos do jazz permaneceram presentes ao longo de sua carreira nos Stones, dando a Watts uma versatilidade estilística que foi determinante para as incursões dos Stones para além do blues e do rock, indo ao country, reggae, disco, funk e até mesmo punk.
Havia uma modéstia em sua forma de tocar que veio de seu estudo de jazz. Não fez grandes solos roqueiros. Ele garantia que a atenção nunca estivesse em si próprio ou em sua bateria – seu papel era manter as músicas rolando, dando-lhes movimento.
Ele também não usava um kit grande de bateria – nada de gongos nem grandes estantes. Ele manteve um kit simples, do tipo mais comumente encontrado em quartetos e quintetos de jazz.
Da mesma forma, o uso ocasional que Watts fazia de vassourinhas ao invés de baquetas – como em “Melody” de “Black and Blue” de 1976 – mostra mais explicitamente sua dívida com os bateristas de jazz.
Mas ele não impôs seu estilo. Watts soube se adaptar, mantendo elementos do jazz. Isso é perceptível no R’n’ B de “(I can’t Get No) Satisfaction,” assim como no samba-infernal “Sympathy For The Devil” – duas das canções nas quais Watts teve um papel central.
E uma música como “Can’t You Hear Me Knocking“, do álbum de 1971 “Sticky Fingers”, evolui de um dos riffs de grande calibre de Keith Richards para uma longa seção instrumental final, única no catálogo musical dos Stones, um tipo de jazz latino estilo Santana, contendo algumas grandes batidas sincopadas e um hit-hat tocado com bom gosto, enquanto Watts nos conduz às diferentes seções musicais.
Elementos semelhantes podem ser ouvidos em “Gimme Shelter” e outras canções clássicas dos Rolling Stones – são detalhes de bateria e gestos perfeitamente posicionados que engrandecem a música e surpreendem o ouvinte, sempre em segundo plano – nunca dominando a cena.
Acionando a “casa das máquinas”
Watts era tão central para os Stones que, quando o baixista Bill Wyman decidiu aposentar-se da banda após a turnê “Steel Wheels” de 1989, Watts foi o encarregado de escolher seu substituto.
Ele precisava de um baixista que se encaixasse em seu estilo. Mas a escolha de Darryl Jones como substituto de Wyman não foi a única parceria importante para Watts. Ele tocava no contratempo, complementando o estilo de guitarra muito sincopado e movido a riffs de Richards. Watts e Richards ditaram o ritmo de inúmeras músicas dos Stones, como “Honky Tonk Women” ou “Start Me Up”. Se você os assistisse ao vivo, notaria Richards olhando para Watts o tempo todo – seus olhos se fixavam no baterista, procurando os acentos musicais e combinando seus “ataques” rítmicos e contratempos.
Watts nunca pretendeu ser um virtuoso como John Bonham, do Led Zeppelin, ou Keith Moon, do The Who – ele não praticava excessos na bateria. A partir daquele treinamento inicial de jazz, ele manteve distância de gestos exibicionistas.
Mas por quase seis décadas, como disse Richards, ele foi o elemento principal da lendária “casa das máquinas” dos Rolling Stones.
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Victor Coelho, Professor of Music, Boston University
Este artigo é republicado de The Conversation sob uma licensa Creative Commons. Leia o artigo original.