Quando a caixa de 6 LPs chamada Crossroads – de Eric Clapton – saiu no Brasil, nada poderia ser mais legal e luxuoso naquele ano de 1988. Nem parecia algo que uma gravadora pudesse lançar no nosso mercado nacional, era bom demais para ser verdade. No caso, lançamento da Polygram.
Naqueles anos, final dos anos 80, o mercado fonográfico brasileiro já não estava nos seus melhores dias, mas ainda era grande e poderoso. Ainda eram vendidos muitos discos de vinil, as rádio eram influentes – obviamente não havia internet, nem TV a cabo e nem sequer MTV. Mas havia lojas de discos aos montes, com enorme variedade de lançamentos. Estes eram na maioria discos populares, edições simplificadas de qualidade mediana e preço baixo. Não havia lugar para raridades ou edições caras demais, os tempos da economia nacional eram bicudos (o presidente da república era José Sarney e o pior, Fernando Collor, ainda estava por vir).
Naquela época o bairro de Madureira era o principal centro comercial daquela região da Zona Norte do Rio de Janeiro – lembrando que ainda havia poucos grandes shoppings na cidade, nenhum deles no subúrbio. Lá havia várias lojas de discos, sendo duas ou três realmente boas, com muita coisa de pop/rock e até algumas raridades importadas. O rótulo “importado” fazia qualquer um ficar alvoroçado, curioso e com enorme vontade de gastar os Cruzeiros do bolso (ou Cruzados, ou Cruzados Novos, as moedas se sucediam com alguma frequência). Então ir à Madureira xeretar as lojas de discos sem comprar nada era um programa regular para um jovem suburbano, este que vos escreve.
Certo dia, lá estava ela, a caixa, em uma vitrine onde ninguém a tocava. Era a caixa da foto a seguir. Não uma igual, mas a própria.
Pedi ao vendedor para ver a caixa, abri com cuidado, fiquei maravilhado com o livro incluído e um pouco intimidado pelo vendedor pouco paciente. Não comprei, claro. Era cara.
Ao contrário dos LPs comuns, que podiam ser ouvidos na loja e manuseados livremente, esta caixa ficava meio reservada, era para poucos. Tanto pelo valor financeiro quanto pelo conteúdo raro.
Inesperadamente, era uma edição nacional. Ou seja, custava caro mas não custava nenhum absurdo. Foram meses e meses (um ano, quem sabe?) juntando trocos, realizando pequenos trabalhos e qualquer dinheiro que fosse honestamente ganho. Até ter o suficiente para voltar lá naquela loja (o problema não era tanto o preço, mas a inflação alta). Na verdade voltei muitas vezes para me certificar de que a caixa estava lá, meio disfarçadamente. E estava. Ou eles tinham um grande estoque ou a única caixa demorou para ser vendida, e fui eu o comprador.
Não me lembro bem do dia da compra, mas lembro que fiquei até meio sem jeito. Obviamente eu era muito novo para comprar “a” caixa. Mas comprei e não me desgrudei dela por longos dias. Ouvi todos os LPs inúmeras vezes, especialmente os 3 primeiros, conheci fases da carreira do Clapton que ainda não conhecia. Fantástico.
O livreto em preto e branco é lindo, impresso em um papel grosso com ótima textura ao toque. Há a discografia do Slowhand com reprodução de todas as capas, ficha técnica de todas as 73 músicas, belas fotos e desenhos. Mas há principalmente uma biografia do Eric Clapton que contava tudo o que eu, fã do guitarrista, queria e precisava saber. E naquela época Eric Clapton parecia meio em fim de carreira (isso foi antes do álbum Journeyman). Li infinitas vezes o texto. Segue a primeira página:
Hoje em dia podemos ouvir tudo o que Clapton já gravou no celular, mas mantenho uma vitrola a postos para poder voltar aos meus pequenos tesouros de vez em quando. A caixa Crossroads foi uma das minhas melhores companhias por muito tempo, merece uma visita esporádica e aproveito o momento de escrever este texto para botar o assunto em dia com este velho amigo, começando por Boom Boom, de John Lee Hooker, apresentada pelos Yardbirds – faixa nº 1 do disco 1.
Aprender a tocar All your love foi uma obsessão e um divertimento enorme. Que timbre de guitarra e que grande banda.
As faixas seguem em ordem cronológica e cobrem quase tudo de melhor que Eric Clapton havia feito até aquele momento. Pouco tempo depois vieram álbuns de sucesso, especialmente o Unplugged, e sua carreira teve uma espécie de segundo (ou terceiro) ápice, amparado também pela recém conquistada sobriedade. Em um momento em muito se fala a respeito da debilidade física do Slowhand, sugiro fortemente uma audição de suas músicas para nos lembrar como se forma uma lenda.
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