Como funciona o ofício da composição de canções em Nashville? Há algum tempo, li um tweet da super estrela de pop Shakira onde ela disse que nunca mais iria compor uma música com algum compositor que não fosse de Nashville. Depois de quase duas décadas sendo uma das principais figuras do pop mundial, a cantora e compositora não conseguiu conter sua empolgação ao trabalhar com alguns dos compositores mais importantes da cidade. E não é para menos.

Nashville continua sendo uma das poucas cidades do mundo em que a composição de canções é uma arte reverenciada, respeitada, estimulada e apoiada. Como resultado, os compositores mais importantes da cidade têm uma capacidade incomparável de escrever e compor, transformando-a dia após dia em um dos mercados mais competitivos que há.

Embora seja conhecida como a principal cidade da música country, Nashville tem história, capacidade e reputação incomparáveis ​​na criação e desenvolvimento de canções.

Nesta pequena cidade, a arte de compor recebe grande atenção, o que faz com que milhares de compositores morem lá, tentando sobreviver a partir de uma atividade extremamente competitiva e difícil.

Um ecossistema variado

Como em qualquer ramo de atividade, existe um círculo muito fechado de autores que domina o mercado pop e country. Esse grupo de autores é extremamente pequeno e seleto, e vários de seus membros têm décadas de intensa dedicação à composição. Entrar no radar desse grupo de compositores em Nashville pode parecer simples em teoria, mas na prática exige quase um milagre: que sua música seja gravada por um renomado artista de alto calibre e que gere uma quantia substancial de dinheiro.

O problema é que os artistas que atendem a essas características são uma fração mínima. Cada álbum que eles lançam tem entre 10 e 16 músicas. E como esses artistas desejam continuar a ter níveis muito altos de aceitação (seja através das rádios, vendas, plataformas de streaming ou público pagante em seus shows), eles tendem a ser conservadores e acabam empregando compositores já conhecidos.

Isso é semelhante ao problema enfrentado por qualquer jovem profissional que acabou de se formar na universidade: ele precisa de um emprego em sua área, mas a grande maioria das vagas disponíveis exige alguém com experiência. É uma situação difícil e pode ser frustrante. No mundo das composições acontece algo semelhante, mas um milhão de vezes mais difícil.

Calculando friamente

Vamos colocar em números, olhando as coisas pelo lado positivo por um momento. Digamos que em Nashville 10 álbuns de artistas com as características mencionadas anteriormente sejam gravados por semestre. Em cada um desses 10 álbuns, existem 10 músicas. Ou seja, temos apenas 100 posições disponíveis. Dessas 100 oportunidades, 95 são aproveitadas por esse seleto grupo de autores cuja trajetória já garante reconhecimento. Então, nessa cidade, existem cerca de 4.000 autores que não pertencem a esse círculo fechado e apenas 5 oportunidades disponíveis. Apesar de arbitrários, esses números são baseados na realidade e não são nada animadores.

Naturalmente, a maneira mais direta e eficaz de um autor desconhecido começar a ser solicitado por artistas de renome é através de uma música de sucesso. Quanto maior o sucesso, maior a fama que dará ao autor.

De certa forma, escrever canções em Nashville é um microcosmo da realidade do compositor, que hoje é ainda mais difícil porque a venda de música (a principal fonte de renda do autor) tem caído muito.

Um sistema de suporte?

Embora os números acima não sejam animadores, Nashville ainda é uma grande cidade para os compositores. Poucas coisas podem ser melhores do que esbarrar por aí com milhares de profissionais tão bons ou melhores que você. Muitas vezes esse ambiente acende a chama que dá ao compositor a gana para continuar compondo, aprendendo e fazendo amizade com as pessoas do ramo.

Um dos lugares de Nashville que oferece isso é o Bluebird Cafe. Lá são realizadas as noites dos autores (songwriters night) e também as noites de microfone aberto (open mic), que são lendárias. Esses eventos semanais são tão movimentados que, para entrar no show às seis da tarde, é melhor estar na fila às quinze horas. É um local muito pequeno, frequentado por compositores de todos os tipos e níveis – e, ocasionalmente, até mesmo por alguns dos principais membros da indústria fonográfica.

Embora Nashville tenha mais uma dúzia de lugares que oferecem noites de compositores e open mic, nenhum é tão lendário ou lotado quanto o Blue Bird Cafe. Sem dúvida, todos esses lugares constituem uma excelente oportunidade para o autor ser ouvido e para que possa ouvir também, avaliando o trabalho de seus colegas e fazendo conexões importantes noite após noite.

Esse tipo de lugar também têm uma rara característica: as pessoas realmente vão até lá para ouvir música – em vez de beber e tagarelar. Esse simples fato dá a Nashville uma diferença fundamental em relação a outros lugares, especialmente nos Estados Unidos e na América Latina.

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Interior do Bluebird Cafe

Nashville além do Bluebird Cafe

Além do Bluebird Cafe e de outros lugares que criam um verdadeiro senso de comunidade, esta cidade também possui uma grande variedade de clubes e sociedades de autores, escritórios dos principais selos e editoras, assim como várias empresas independentes.

Entre as organizações mais importantes da cidade está a Nashville Songwriters Association International ou NSAI – organização sem fins lucrativos que oferece uma variedade de serviços para os compositores. A NSAI realiza seminários, projetos e eventos educacionais, avaliações de músicas, oportunidades e muito mais. Para pertencer a esta associação você deve pagar uma taxa. Você pode ler mais sobre isso em www.nashvillesosngwriters.com.

Um trabalho como outro qualquer

Nashville é onde reside um grande número de autores, produtores, engenheiros de áudio e músicos de estúdio. Naturalmente existem profissionais com diferentes níveis de habilidade e capacidades, e os realmente bons são a minoria (e também aqueles que comem a maior fatia da torta).

Nesse ecossistema de profissionais, é muito comum trabalhar em sessões pré-determinadas. O horário é basicamente regido por uma sessão pela manhã, uma à tarde e outra à noite. Não é incomum profissionais requisitados trabalharem diariamente em três sessões de composição para três projetos diferentes.

Para aqueles que ainda não conseguem viver de sua arte, ou seja, a grande maioria dos compositores de Nashville, é essencial ter outro trabalho que pague as contas, o que limita o horário das sessões nas quais eles poderiam trabalhar. É um equilíbrio delicado e outro dos desafios que a maioria dos autores enfrenta nesta cidade.

Uma sessão comum com dois ou mais autores

Entre os autores de grande calibre em Nashville, é comum ter sessões de duas horas para compor uma música. Normalmente o processo é iniciado com o título da música, para que os outros autores envolvidos possam ter uma base com a qual trabalhar.

A partir daí, é muito comum que se trabalhe no refrão, que normalmente citará o título inicial em algum momento, preferencialmente sendo usado como gancho (hook). Realmente não há muito tempo para digressões, já que no final dessas duas horas uma nova música deverá ter sido criada.

Como regra geral, os compositores de Nashville tendem a trabalhar de maneira extremamente rápida e eficaz. Eles conhecem as regras de composição, sabem o que pode funcionar e o que não funciona, e entendem até que ponto podem violar as regras sem arriscar que sua música seja rotulada como “pouco ortodoxa” pelos profissionais que decidirão se vão gravar seu trabalho ou não.

Nashville Number System

Algo a ter em mente ao trabalhar com outro compositor experiente de Nashville, e especialmente ao fazer demos, é a nomenclatura comumente usada para escrever a parte harmônica. Embora a maioria dos profissionais seja fluente ao usar o sistema de cifras para acordes, muitos preferem o Nashville Number System. Este sistema é semelhante a uma análise harmônica. Ou seja, reflete o posicionamento e / ou o movimento de cada grau de acordo com a tonalidade.

Por exemplo, se o profissional estiver trabalhando em um tema em Dó Maior, seguido por Dm e depois G7, no sistema numérico de Nashville seria 1 2 5. Cada número corresponde ao grau de acorde no tom em questão. É um sistema bastante simples, mas requer alguma familiarização para que a pessoa se sinta realmente confortável com ele.

Resumindo

O apelido “Music City” realmente faz justiça à tradição de composição de canções em Nashville. É um dos poucos lugares onde o compositor é realmente apreciado e estimulado, e o fato de haver um ambiente tão competitivo, e até cruel, pode ser visto como um aspecto positivo. Na verdade, uma das coisas mais importantes nessa cidade – e na indústria da música em geral – é ter paciência e muita resistência enquanto são assumidos riscos em busca de um objetivo, de maneira inteligente e voraz.

Rodrigo O. Sánchez


Originalmente publicado na revista Músico Pro – Traduzido e publicado por Musicosmos com autorização de ©Music Maker Publications, Inc. – Todos os direitos reservados. All rights reserved. Visit musicopro.com