Em 1951, a tripulação de um avião da Força Aérea Brasileira, daqueles que eram chamados de “fortaleza voadora”, dava início às providências para a aterrissagem na cidade de Campo Grande, quando foi surpreendida por um “apagão” no aeroporto local. Voando desde Manaus, a tripulação sabia que a reserva de combustível não era suficiente nem para procurar o aeroporto mais próximo (situado a centenas de quilômetros de distância) nem para esperar muito tempo pela volta da luz.
O comandante do avião comunicou-se com o responsável pela unidade da FAB de Campo Grande, a quem transmitiu o drama que estava vivendo. A comunicação seguinte foi feita de Campo Grande para a Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, que, por sua vez, entrou em contato com a Rádio Nacional, situada na Praça Mauá, no Centro do Rio, para pedir ajuda.
Minutos depois, um locutor transmitia aos ouvintes de Campo Grande – portanto, a mais de dois mil quilômetros de distância – a seguinte mensagem.
“Atenção, Campo Grande, Mato Grosso! Uma fortaleza voadora da FAB precisa aterrissar e o campo de pouso está às escuras. Apelamos aos proprietários de automóveis que se desloquem imediatamente para o aeroporto a fim de que a pista de aterrissagem seja iluminada pelos faróis dos seus automóveis.”
O apelo foi repetido várias vezes, até que a Rádio Nacional foi informada de que o problema estava resolvido. Às 23h45, o avião pousava no aeroporto de Campo Grande iluminado pelos faróis de centenas de automóveis.
Enfim, um texto sobre a Rádio Nacional poderia limitar-se a fatos como o descrito acima e que justificam a posição dos que consideram a emissora o maior fenômeno de comunicação do Brasil, mesmo levando em conta outros exemplos impressionantes, como o da velha revista O Cruzeiro e o da atual TV Globo.
Como não se pretende neste espaço promover um desfile de histórias que ilustrariam ainda mais o poderio da Rádio Nacional, o assunto é encerrado com a informação de que, em 1949, o programa “No mundo da bola” promoveu a eleição do jogador de futebol preferido pelos ouvintes.
Os votos eram enviados num envelope de comprimido para dor de cabeça, o patrocinador do concurso. Os funcionários da emissora contaram, no final da eleição, mais de 19 milhões de envelopes, sendo que o craque vitorioso – o atacante Ademir, do Vasco da Gama e da seleção brasileira – recebeu 5.304.935 votos, marca que, em matéria de eleição, só seria superada em 1960, quando Jânio Quadros foi eleito presidente da República com pouco mais de 6 milhões de votos.
Fundada em 1936 e sendo transferida para o governo federal em 1941, a Nacional dispensava a ajuda oficial, pois, durante mais de 20 anos, foi o veículo de comunicação com a maior receita publicitária do país.
Tal receita era suficiente para pagar os salários de 9 diretores, 240 funcionários administrativos, 10 maestros, 124 músicos, 33 locutores, 55 radiatores, 39 radiatrizes, 52 cantores, 44 cantoras, 18 produtores de programas, 1 fotógrafo, 5 repórteres, 13 informantes, 24 redatores e 4 editores de jornais falados.
A programação era variada. A audiência feminina ficava por conta das novelas, que, em estilo de folhetins, se prolongavam por vários meses. Havia também os programas humorísticos, a cobertura dos acontecimentos esportivos, os programas de auditório, os (muitos, podem acreditar) programas culturais e os programas musicais. Estes últimos, provavelmente, são os que mais resistiram ao esquecimento a que foram condenados não só os programas como os próprios radialistas, uma sina que parece confirmar o que diziam os anunciantes contrários à publicidade radiofônica nos tempos pioneiros, recusando-se a fazer propaganda em rádio: palavras o vento leva.
Mas o pessoal da música não foi esquecido e, durante muitos anos, seus nomes permaneceram ligados à história da Rádio Nacional.
Falando, por exemplo, do cantor Francisco Alves, um dos primeiros ídolos da música popular brasileira, vem logo à lembrança a abertura do seu programa, ao meio-dia, quando a locutora dizia que, naquele momento, os ponteiros se encontravam.
A morte de Francisco Alves, em setembro de 1952, num acidente de carro, paralisou o Brasil e levou pela primeira vez a Rádio Nacional a suspender a programação e passar 24 horas tocando apenas discos do cantor.
Seria difícil apontar o maior ídolo entre as centenas de cantores que passaram pela emissora, mas Orlando Silva, sem dúvida, foi o primeiro deles, pelo menos cronologicamente. Contratado pela Rádio Nacional logo na sua fundação, com uma carreira de somente dois anos, Orlando era um intérprete excepcional, para muitos, o melhor que o Brasil já teve ( João Gilberto, um dos criadores da Bossa Nova, vai mais longe: para ele, Orlando Silva era o melhor cantor do mundo de todos os tempos).
Seus discos e a própria Rádio Nacional se encarregaram de espalhar sua voz por todo o país e não demorou muito para assumir a condição de ídolo nacional.
Nas grandes cidades, os empresários se viram obrigados a programar apresentações do cantor nas praças públicas para que fosse visto pelo maior número possível de pessoas.
Dois nomes intimamente ligados aos tempos áureos da Rádio Nacional são os das cantoras Emilinha Borba e Marlene.
Profissional desde os 14 anos de idade, Emilinha apresentou-se em outras emissoras e nos cassinos da Urca e Copacabana, antes de ser contratada pela emissora em 1945, ano em que foram lançados os grandes programas de auditório.
Foi ela o grande destaque desse tipo de programa. Os ouvintes sabiam que ela ia cantar, antes mesmo de ser anunciada, pela gritaria de um público formado geralmente de gente humilde, na maioria mulheres, que madrugava na porta da Nacional para garantir um lugar no auditório (por serem, em grande parte, negras e mulatas, não escaparam do apelido racista de “macacas de auditório”).
Pouco depois de ser contratada, Emilinha passou a contar com um fã-clube, que produziu filiais em todo o Brasil. Esse fã-clube manteve-se firme e homenageando a cantora todos os anos, no seu aniversário.
A soberania de Emilinha Borba na Rádio Nacional só foi abalada em 1949, quando a cantora Marlene a derrotou na eleição para Rainha do Rádio.
Tal acontecimento rendeu uma das rivalidades mais famosas da história do rádio e da nossa música. Baseado nessa rivalidade – sem dúvida, gostosamente estimulada pela Rádio Nacional – o senador Caiado de Castro afirmou que a sociedade brasileira era dividida entre emilinistas e marlenistas, frase que levou a revista Radiolândia a fazer uma visita ao Congresso para saber quem era de um lado e quem era do outro. Todos os parlamentares consultados responderam, mas, sendo um eleitorado político, acabou vencendo a ala que votou nas duas.
Marlene é paulista e se chama, na verdade, Vitória Bonaiutti (seu nome artístico é uma homenagem à atriz alemã Marlene Dietrich). Também dispõe de um fã clube fiel e dedicado. Quando venceu o concurso para Rainha do Rádio, a Nacional tratou de garantir a audiência separando-a de Emilinha Borba, escalando cada uma num dos dois maiores programas de auditório da emissora, o comandado por César de Alencar (Emilinha) e o de Manuel Barcelos (Marlene).
A cantora Dalva de Oliveira foi um dos casos mais impressionantes de sucesso repentino na Rádio Nacional. Sua carreira já caminhava para os 15 anos, quando se separou do marido, o compositor Herivelto Martins, o que a levou a afastar-se do Trio de Ouro, liderado por Herivelto.
Até a separação, estava longe de ser uma cantora de grande popularidade, uma vez que, tanto nos seus discos e quanto nos seus shows, era apenas a voz feminina do Trio de Ouro ou dos duetos que, eventualmente, fazia com Francisco Alves.
Mas, provocada por uma música lançada por Herivelto Martins, Cabelos brancos, cuja letra hostilizava um ex-amor (“não falem dessa mulher perto de mim”, dizia a letra), Dalva deu início à sua carreira solo com um samba-canção cuja letra tinha tudo a ver com o fim do seu casamento: Tudo acabado, de Jota Piedade e Osvaldo Martins.
Nascia assim uma polêmica que os ouvintes acompanhavam como se fosse um folhetim – também estimulada pelos dirigentes da Rádio Nacional – com uma expressiva vantagem para ela, que contando com a evidente simpatia do público, transformava suas músicas em sucessos excepcionais.
Para se ter uma idéia, num levantamento feito em 1951, o disco mais vendido era Tudo acabado; em segundo lugar, Errei, sim (Ataulfo Alves) e, em terceiro, Que será? (Marino Pinto e Mário Rossi), as três gravadas por ela. No ano seguinte, foi eleita Rainha do Rádio.
A partir de 1953, porém, Dalva deixou de lado a sua condição de ídolo da Rádio Nacional para dedicar-se às viagens para o exterior. Cantou várias vezes em países sul-americanos e na Europa. Quando encerrou a fase internacional, seu prestígio no Brasil continuava grande, mas a popularidade já não era a mesma.
Em 1954, foi a vez de Caubi Peixoto, o último ídolo da época áurea da Rádio Nacional. Seu empresário, o compositor Di Veras, informou-se sobre os recursos utilizados pelos empresários americanos para projetar seu artistas e aplicou-os no lançamento de Caubi, um cantor que, havia seis anos, cantava em casas noturnas sem a menor repercussão.
Contratou falsas fãs para “desmaiarem” no auditório quando ele cantava e fazia com que ele envergasse paletós com as mangas precariamente costuradas para dar a impressão de que as admiradores rasgavam as suas roupas. Além disso, toda vez que estivesse em público, deveria estar cercado de falsos fotógrafos espoucando flashes, como ocorre com as celebridades artísticas.
Encorajado pelo êxito obtido no Brasil, Di Veras resolveu levar Caubi Peixoto para os Estados Unidos, mas a experiência foi frustrante. Nem mesmo a mudança do seu nome para Ron Cobby foi suficiente para transformá-lo num cantor popular na América do Norte.
A solução foi manter as conquistas no Brasil, enviando de Nova York para a Revista do Rádio e para a Radiolândia primeiras páginas de importantes jornais norte-americanos com o nome de Ron Cobby na manchete. Mas eram apenas aquelas primeiras páginas vendidas por uma pequena quantia, principalmente aos turistas, com manchetes imaginárias contendo os nomes dos clientes.
Na década de 1960, com o crescimento da televisão e com acontecimentos políticos no Brasil, a Rádio Nacional não tinha mais condições de manter o seu elenco e, aos poucos, foi perdendo a liderança para outras emissoras que se adaptaram rapidamente aos novos tempos. Mas legou, sem dúvida, a mais bela história do rádio brasileiro.
De Sergio Cabral
Sérgio Cabral, carioca, jornalista desde 1957, trabalhou em vários jornais e revistas do Rio de Janeiro e São Paulo (é um dos fundadores do “Pasquim”), compositor, autor e diretor de espetáculos musicais e escreveu, entre outros, os seguintes livros: “Antônio Carlos Jobim, uma biografia”, “No tempo de Ari Barroso”, “Elisete Cardoso, uma vida”, “Nara Leão, uma biografia”, “Pixinguinha, vida e obra”, “As escolas de samba do Rio de Janeiro”, “No tempo de Almirante” e “A MPB na era do rádio”.