Louis-Armstrong-jazz-moderno

Como ocorreu o desenvolvimento do jazz moderno e qual é a sua importância? Por que uma parcela de blues está sempre presente em qualquer programação de jazz? Para falar sobre este tema, convidamos Luiz Antonio de Oliveira e Carlos Conde.

Oliveira: Parece haver um consenso de que o jazz moderno não existiria sem a revolução do bebop. Em que consistiu tal revolução e por que isto foi tão importante em relação ao jazz pre-bop?

Conde: Realmente, o jazz moderno é uma conseqüência e uma evolução em relação ao be-bop, que nasceu no início da década de 40. Essa evolução ou “revolução”, como queiram, tornou mais complexas a harmonia e a melodia dos temas utilizados e da improvisação em torno dos mesmos. Além da maior complexidade, tornou menos dançantes os ritmos empregados pelos músicos bop. O sucesso do swing na década de 30 e principalmente o faturamento das bandas que o executavam como música de dança, na sua maioria brancas, levaram os músicos negros de talento, que eram em geral preteridos, a criarem um tipo de jazz que fosse mais tipicamente seu e que não fosse explorado como música de dança.

Oliveira: Ainda quanto ao desenvolvimento do jazz moderno pós-bop, parece que não houve alteração de monta neste processo: o cool de Miles Davis, o free de Ornette Coleman e a fase mística de John Coltrane não mostraram força e/ou originalidade suficientes, a não ser o excepcional talento pessoal de seus criadores. Se isto é verdadeiro, teria o bop esgotado todas as possibilidades de uma evolução do jazz?

Conde: Após o advento e o desenvolvimento do be-bop, o jazz moderno adotou vários caminhos e não apenas aqueles citados no contexto desta pergunta. O cool jazzexecutado por Lennie Tristano e Lee Konitz e até pelos saxofonistas apelidados de brothers (da orquestra de Woody Herman), fortemente influenciados por Lester Young, como Stan Getz, Al Cohn, Zoot Sims, Brew Moore e outros, foi anterior. Mas quando Miles Davis organizou, em 1948, um conjunto com trompete, trombone, dois saxofones, trompa e tuba (além da seção rítmica) para cumprir um compromisso na boate Royal Roost, de New York, arrebanhou alguns excelentes arranjadores, como Gil Evans, Gerry Mulligan e John Lewis e solistas como Lee Konitz, o próprio Mulligan e trombonistas como J. J. Johnson e Kai Winding. Em 1949, a Capitol Records decidiu gravar o conjunto em discos de 78 RPM e somente muitos anos depois, mais precisamente em 1956, foi editado o álbum, que recebeu o título The birth of the cool.

E as águas que passaram por baixo da ponte não foram apenas aquelas citadas nesta pergunta. No início da década de 50, os músicos egressos das orquestras de Stan Kenton e Woody Herman, dissolvidas no final da década anterior, iniciaram em Los Angeles um movimento inspirado na instrumentação e no som dos conjuntos de Miles Davis e Lennie Tristano, essencialmente cool, que veio a ser batizado pela crítica de west coast jazz. Foi quando surgiram os Giants de Shorty Rogers, o quarteto de Gerry Mulligan com Chet Baker (sem piano), o quarteto de Dave Brubeck com Paul Desmond, o quinteto de Chico Hamilton e os Lighthouse All Stars e outros. Mas a reação “crioula”, tal como no be-bop, não se fez esperar, surgindo em New York o hard bop, com Art Blakey’s Jazz Messengers, Cannonball Adderley Quintet, Horace Silver Quintet, Max Roach-Clifford Brown Quintet e novamente Miles Davis, já não muito cool, com a revelação do tenorista John Coltrane e do pianista Red Garland, que juntamente com Paul Chambers (contrabaixo) e Philly Joe Jones (bateria) formaram uma das “cozinhas” mais famosas da historia do jazz moderno. Foi essa corrente que permitiu o surgimento do free jazz de Ornette Coleman, a liberdade harmônica e rítmica de Coltrane, Eric Dolphy, Anthony Braxton, Art Ensemble of Chicago, Sun Ra, Cecil Taylor etc. e a conjugação com harmonias clássicas européias do 3RD. stream, com John Lewis (MJQ, Modern Jazz Quartet), Gunther Schuller, George Russell, Teo Macero, Gil Evans e, com mais raizes negras, Charles Mingus, Oliver Nelson, Manny Albam etc.

Em minha opinião, a premissa exposta nesta pergunta não é verdadeira. O bop não esgotou as possibilidades de evolução do jazz moderno, como vem sendo demonstrado desde a década de 60. O que leva alguns analistas a pensarem dessa forma é a incrível aridez e a falta de conteúdo do chamado fusion, um jazz eletrônico influenciado pelo rock e pela música pop, que floresceu na década de 70 e chega a lotar auditórios até hoje, haja visto o sucesso comercial de Herbie Hancock, Chick Corea, Quincy Jones, Pat Metheny, George Duke, Lee Rite-nour, John Sccofield e outros.

Oliveira: Dizzy Gillespie sugeriu, certa vez, que uma evolução possível do jazz talvez surgisse de uma linguagem musical comum a ser criada a partir da síntese da afroamericana, da afro-cubana e da afro-brasileira. O senhor acha que isto está acontecendo ou poderá acontecer?

Conde: A síntese da afro-americana e da afro-cubana sempre ocorreu. A afro-brasileira penetrou na música norte-americana somente por meio da Bossa Nova, que começou influenciada pelo west coast jazz e acabou influenciando todo o jazz a partir da década de 60, fato que os tropicalistas não conseguiram realizar. No momento, essa síntese é urna constante no jazz moderno.

Oliveira: Se o jazz é fundamentalmente improviso, que sentido tem o jazz escrito, isto é, que sentido tem escrever partituras jazzísticas?

Conde: jazz das suites ou extended compositions, como as de Duke Ellington, Oliver Nelson, Charles Mingus, John Lewis, George Russell etc., só tem sentido quando os diversos solos são improvisados, o que sempre ocorre com os autores citados. É um gênero mais difícil de assimilar, mas totalmente válido. No nosso programa da Rádio Cultura de São Paulo sempre procuramos mostrar esse gênero, que, às vezes, é chamado de third stream.

Oliveira: O senhor não acha que existe um certo “populismo” na importância dada ao blues, especialmente aquele mais primitivo? É justificável que um programa como o “Jô Jam Session” reserve um dia da semana somente para esse tipo de música?

Conde: blues sempre foi mais fácil de assimilar do que o jazz moderno, e urna parcela de blues será sempre oportuna em qualquer programação de jazz.

E os músicos de jazz moderno usam o blues de doze compassos com enorme freqüência, em suas apresentações e improvisações.

Um exemplo disso foi a recente temporada de Oscar Peterson, em São Paulo. Os números mais dinâmicos e mais aplaudidos foram os blues que ele executou.


Luiz Antonio de Oliveira Lima: é Chefe do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados â Administração da EAESP/FGV.
Carlos Conde: é Criador e Apresentador do Programa Jazz Improviso, da Rádio Cultura de Sáo Paulo (sextas-feiras e sábados da meia-noite às duas horas).

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O trabalho A trilha do jazz moderno de Luiz Antonio de Oliveira Lima está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional.