Entrevista com Marcus Miller: o groove pode mais

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Foto: Andreas Lawen, Fotandi [CC BY-SA 4.0], from Wikimedia Commons

Marcus Miller é, sem dúvida, um dos baixistas mais influentes das últimas décadas. Seu som, tempo, sensibilidade e groove espetacular fizeram de Miller uma estrela entre os músicos de todo o planeta. Seu som é inconfundível: com apenas duas notas você já sabe quem é. Depois de vários anos tocando e produzindo ao lado de Miles Davis, Miller teve uma carreira solo inigualável como baixista, produtor e compositor, não apenas de álbuns, mas também para filmes.

Como se fosse pouco, a Fender o homenageou com seu Marcus Miller Signature Jazz Bass. Com seu groove fora de série e seu som inconfundível, Marcus é um dos baixistas mais imitados da atualidade. Eu tive a honra de entrevistar este lendário músico antes de uma apresentação com sua banda em Denver e, com um sorriso, ele compartilhou sua inteligência e eloquência conosco. Aproveite.

Você é mais conhecido como baixista proeminente, mas tem créditos de peso como produtor. Como você começou na produção?

Tudo aconteceu quando comecei a compor músicas para artistas que me chamavam para tocar baixo em seus projetos. Então eu também comecei a arranjar as músicas que compus. O que aconteceu foi que quando eles gravaram essas músicas, não ficaram satisfeitos com o resultado, e me pediram para estar presente durante todo o processo para orientá-los, já que eram minhas músicas. Foi assim que comecei a produzir.

A produção atrai mais do que tocar baixo? 

Eu gosto muito das duas coisas. Se eu tivesse que escolher um, seria tocar baixo. Mas tudo o que tem a ver com música me estimula. Para produzir você tem que saber como lidar com as pessoas, como inspirá-las, como guiá-las, como fazê-las sentir-se relaxadas, etc.

Você não sente muita pressão quando tem que produzir e tocar ao mesmo tempo?

Não. Produzir é muito semelhante a ser o líder no ensaio de uma banda. Você se certifica de que tudo soa bem, que todos estão fazendo sua parte corretamente. É sempre bom ter um bom engenheiro que possa lhe dizer imediatamente se o que você acabou de gravar vale a pena ou se é melhor gravar outra tomada de uma vez.

Como sua maneira de trabalhar mudou devido à nova tecnologia?

Tudo mudou. Mudou a forma como gravamos, como nos comunicamos, etc. Meu novo álbum está prestes a sair e há um guitarrista italiano que gravou, que eu nem conheci ainda. Nós nos conhecemos no MySpace, ele me enviou sua música e eu gostei muito e foi assim que tudo começou. Enviei-lhe algumas faixas e ele as gravou. Soa fantástico e vou usar no meu novo álbum. Não há nada melhor do que ter o músico ao seu lado e gravar juntos, mas isso não é um requisito. É muito conveniente poder fazer esse tipo de coisa e ter essa flexibilidade em seu projeto.

Eu me lembro que há uns 15 anos terminei de escrever a música para uma cena de um filme, e então o diretor me chamou e me disse: “Marcus, eu preciso que a música seja maior porque vou adicionar 20 segundos à cena”. Então eu tive que ligar para os músicos novamente para gravar tudo de novo. Hoje em dia, antes que o diretor termine a frase me dizendo o quanto tempo adicional será necessário, eu já editei tudo e estou enviando os arquivos.

Hoje em dia você pode enviar os arquivos pela internet e pedir aos seus músicos ou produtor que opinem sobre alguma faixa. Isso costumava levar dias.

O que você me diz sobre o outro lado da moeda: pirataria, downloads ilegais, etc.?

Bem, isso afetou muito mais artistas que lançam singles porque eles dependem muito dessas músicas e desse formato. Para pessoas como eu, que se baseiam mais em um álbum completo, o efeito não é tão drástico. O problema se torna mais geral, já que há menos lugares vendendo meus álbuns, etc.

Conte-nos sobre seu estúdio caseiro.

Eu tenho um desktop Macintosh G4, dois G5, e meu programa principal é o Logic. Quando mixamos, usamos o Pro Tools, mas para composição e como eu faço muitas coisas para filmes, eu realmente gosto do Logic. Quanto à interface, para o Pro Tools o sistema HD, para o Logic eu tenho um Ensemble feito pela Apogee, eu tenho um Apogee Mini-Me para quando eu preciso ir a outro lugar para trabalhar, e um Mbox, entre outras coisas. Eu tenho muitos plug-ins, e eu gosto disso porque eles me dão idéias e me inspiram de maneiras diferentes.

Para o meu baixo uso um direc box ou DI Radial.

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Marcus Miller em ação. Foto: Rafael Rezende [CC BY-SA]

Como é seu processo de composição no estúdio?

Da maneira que for possível. Às vezes, tenho cada nota planejada, exceto pelos solos, e outras vezes, tenho uma ideia muito básica a ser desenvolvida. Qualquer coisa que ajude o processo criativo é válida.

Você é conhecido por seu groove inconfundível. Como você desenvolveu seu senso de tempo?

Eu venho de um passado de R&B, onde os dois elementos mais importantes são o seu tempo e o seu timbre. Como baixista, nada pode ser mais importante, especialmente nesse estilo. Se você não tivesse esses dois elementos, não teria nada. Em outros tipos de música você pode se destacar pelos seus solos, mas no R&B o principal são essas duas coisas. Então, nos anos 80, muitos produtores trabalhavam com baterias eletrônicas e era preciso saber como tocar com esses aparelhos, ficando no tempo e soando como um baixista de carne e osso. Certas sessões de gravação eram muito mecânicas e eu precisava ser exato com o ataque do meu baixo, já que tudo era muito meticuloso, especialmente em termos de andamento. Naquela época eu tive que aprender a tocar com precisão praticamente perfeita e isso também me ajudou.

Eu toquei com muitos bateristas como Steve Gadd e Buddy Williams, entre muitos outros, e isso também me ajudou muito, especialmente porque eles eram muito diferentes e eu tive que aprender a me encaixar com eles. Nem todo mundo pode tocar com bateristas tão diferentes. Isso também me ajudou muito como produtor, analisar a situação e tentar fazer as coisas da melhor forma possível. Como produtor, um dos talentos mais importantes que você pode ter é saber por que algo não está funcionando e descobrir como resolver problemas.

Como você fez para parar de soar como Jaco Pastorious e encontrar seu próprio som na adolescência? (leia mais sobre Jaco aqui)

Eu parei de ouvi-lo por um tempo. Quando estava em Nova York percebi que soar como Jaco não funcionaria em várias situações. Por exemplo, esse tipo de som não funcionaria para tocar com uma banda de R&B.

Uma vez, quando ainda soava como Jaco, estava tocando em uma banda de Salsa e o líder disse “Ou você faz essa merda que você toca soar como um baixo ou eu vou te cortar em dois”.

Existem muitas situações musicais nas quais os estilos dos seus heróis não vão funcionar e você tem que entender isso.

Seu instrumento principal é o baixo elétrico. O que você recomenda para um baixista que não decide se aprende ambos ou se deve especializar-se em um?

Realmente não há regras. Na verdade, se você não for muito famoso talvez seja melhor aprender a tocar ambos, porque se te chamam para tocar diferentes tipos de música, você terá mais armas em seu arsenal para fazer qualquer trabalho. Por outro lado, se você vai se consagrar por ter seu próprio som, pode ser melhor gastar mais tempo com um dos dois, para se especializar nele. Desta forma, você encontrará seu som tocando um único instrumento por um longo tempo. Agora, talvez você seja um músico super talentoso, alguém como Stanley Clarke. Ele tem seu próprio som em ambos os instrumentos. Como outro exemplo, existem baixistas como Anthony Jackson, que são fenomenais no baixo elétrico e que não são realmente conhecidos por tocar baixo acústico. É uma questão difícil e tudo dependerá de quem você é e de suas habilidades.

Eu toquei muito baixo acústico em casa e isso me ajudou muito com minha técnica no baixo elétrico. Quando eu conheci o Jaco, ele me disse para tocar de verdade, para fazer a nota soar. Stanley Clarke também me recomendou que eu tocasse o baixo acústico. Isso me ajudou muito com minha técnica.

Conte-me sobre Miles Davis e o tempo que você passou com ele, como baixista e produtor.

A primeira coisa que aconteceu quando entrei para a banda de Miles foi que me tornei conhecido e muitas pessoas se interessaram em quem eu era. Isso foi muito valioso e me deu muita exposição. Ele foi uma pessoa que me inspirou, ele não tinha medo de ser quem era, de mudar a forma da música tantas vezes, e assim continuou até o dia da sua morte. Nos anos setenta, ele foi criticado, mas quando conectou seu trompete a um pedal Wah, Miles estava usando a mesma mentalidade que tinha quando chegou em Nova York, no fim dos anos quarenta, quando ele começou a tocar com “Bird” (Charlie Parker) e com “Dizz” (Dizzy Gillespie).

Miles sabia como tirar o melhor de seus músicos.

Conte sobre suas turnês e como isso afeta sua vida pessoal.

Bem, hoje em dia é mais fácil devido à tecnologia. Meus filhos me ligam no mesmo telefone, independentemente de onde eu esteja, graças aos celulares. Não é o mesmo que estar em casa, mas minha família entende e me apóia.

Você acha que alcançou o pico de sucesso em sua carreira?

Não, eu não penso dessa maneira. Minha carreira está em constante evolução. Há sempre um novo desafio, há sempre algo novo e não gosto de pensar que cheguei ao topo, procuro sempre mais.

Como você lidou com várias frustrações que surgiram em sua carreira?

Eu não sou o tipo de pessoa que se concentra em coisas que dão errado. Eu prefiro me concentrar em coisas que vão bem. Tento me concentrar nas coisas que sei fazer bem e desenvolvê-las até que brilhem, em vez de me concentrar nas coisas que não sei como fazer. Se há algo que eu não posso fazer ou que acho difícil trabalhar, talvez não seja para mim. Obviamente você tem que dominar certos aspectos básicos, como técnica e conhecimentos de harmonia, mas em outro nível, quando eu praticar coisas com as quais eu não me sinto confortável, eu as deixo para lá, e trabalho para aperfeiçoar as coisas com as quais me sinto melhor.

É o mesmo que produzir. Eu produzi álbuns muito bons e, devido a problemas com as gravadoras, eles não receberam a publicidade ou o tratamento necessários. Isso é frustrante, mas você precisa seguir em frente sempre. É como um rebatedor de beisebol: se ele tiver um acerto a cada três vezes que for para o taco, então ele é bem sucedido. Na verdade, ele falha duas vezes, mas consegue o terceiro. Ele falha mais do que acerta. Às vezes a vida é assim.

O que você recomenda para os jovens que querem ter uma carreira como a sua?

Mantenha seus olhos abertos. A carreira de cada um é diferente, então não espere que sua carreira seja como a minha. Toda vez que eu via uma oportunidade, eu a pegava. Mantenha seus olhos e ouvidos abertos. Tente ter uma perspectiva global, mas encontre algo que o torne único e que domine muito bem.

Rodrigo O. Sánchez, Revista Músico Pro


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