Música-digital

Desde os anos 90 vivenciamos uma crescente digitalização dos processos de criação, produção e mais recentemente, publicação da música. Começou com baterias eletrônicas, passou pelo MIDI e a presença de sintetizadores e sequenciadores em várias linguagens musicais, chegou ao CD e eventualmente aos arquivos de mp3, ao compartilhamento P2P e no momento estamos vivendo a Era do Streaming. Durante todo esse processo a profissão de Músico foi mudando, criando novos perfis (DJs que são artistas e produtores, por exemplo), tornando outros obsoletos (lembram-se do Copista?), mas fundamentalmente transformando completamente as funções na cadeia produtiva da música de forma que em alguns instantes chega a parecer outra profissão. Por muito tempo podíamos classificar músicos como instrumentistas, cantores, compositores, arranjadores ou produtores e isso seria suficiente para entender a função de cada um no processo. Claro que alguns desempenhavam mais de uma função (um compositor poderia também arranjador, por exemplo) mas qualquer um teria sua identidade artística ligada prioritariamente à uma dessas funções por ser a especialidade com a qual seria mais reconhecido.

Nos dias de hoje a digitalização do processo produtivo proporcionou a qualquer um, com conhecimentos básicos de áudio e computadores, registrar sua música em casa com mais recursos que grandes artistas o faziam na década de 70. Esse processo eventualmente causou um esfacelamento da indústria fonográfica como produtor de conteúdo (as majors nem possuem mais estúdios de gravação), ainda que elas continuem ativas nas áreas de publicação e marketing. Nesse cenário, vemos atualmente uma abundância de fonogramas em plataformas de Streaming, Youtube, Soundcloud, etc.

On the Banks of the Wabash, Far Away, chorus sheet musicUma primeira conclusão levaria a crer que se há cada vez mais música disponível os músicos estariam em excelentes condições financeiras e de trabalho. Contudo, não é isso que podemos aferir ao abordarmos o assunto com os próprios músicos uma vez que essa situação fez desaparecer, quase que por completo, alguns postos de trabalho que eram bem remunerados no passado, como por exemplo, as atividades em estúdios de gravação (ligados as majors) ou televisão. Ser um músico requisitado para gravações significava prestígio e boa remuneração. Com os estúdios de tornando Home Studios e as produções sendo cada vez mais caseiras e produzidas pelo próprios artistas, a remuneração, que antes se fazia por tabelas acordadas no Sindicato dos Músicos, foi se reduzindo, substituída pela livre negociação. Podemos acrescentar a esse imbróglio, a crescente presença de loops inteligentes nos estúdios (caseiros ou não) que possibilitam resultados mais que satisfatórios com custo fixo (o da aquisição dos loops, sendo que alguns são até gratuitos ou na forma em que só há pagamento se houver utilização comercial). Nesse contexto, o trabalho de sideman (músico acompanhante) acabou por reduzir também a sua remuneração média pois onde há uma grande oferta de mão de obra, o preço cai.

Como consequência de todo esse processo os músicos tiveram de se reinventar. Não há muito mais futuro em ser um especialista, virtuose, etc. O melhor é ser generalista e oferecer uma gama de serviços maior que possa conter todas as habilidades citadas anteriormente, como ser instrumentista, cantor, compositor, arranjador, produtor, etc. Assim, quem contrata leva ao ao mesmo tempo um músico com a possibilidade de atender todas as suas necessidades. Porém, para ser um profissional nesse modelo é primordial entender de tecnologia de áudio (DAW), DSP, manter uma constante atualização dos novos processos tecnológicos disponibilizados pela indústria para a produção musical, conhecimentos de música propriamente ditos e alguma habilidade instrumental.

Mas se todos oferecerem todos esses serviços, como se fazer notado? E aí temos mais um desafio, ser capaz de desempenhar todas essas funções e ser seu próprio agente de marketing. Não basta mais ter um business card bonito e uma pletora de trabalhos bons. É de suma importância ter uma presença digital. E isso significa maciça presença em mídias sociais onde o maior número de pessoas possível saberá do ultimo trabalho, do equipamento novo adquirido, etc. Já há até cursos de marketing de visibilidade digital direcionados para músicos.

Músicos mais jovens se adaptam mais facilmente pois se profissionalizaram com o mercado já digitalizado, acham mais natural essa presença em mídias sociais e vêem a tecnologia como parte integrante das suas vidas. Profissionais de outras gerações tendem a estranhar as mudanças e são saudosos dos antigos tempos analógicos. Mas a realidade é que com a digitalização varias profissões sofreram alterações (outras desapareceram) e novas habilidades são exigidas. E pela a observação dos fenômenos recentes de mercado, a digitalização não apenas veio apara ficar, ela irá possivelmente selecionar os profissionais do futuro.


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Featuring Mike Stern


 

Sobre o Autor

Saxofonista-AC
AC
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Saxofonista com bacharelado em Performance na Berklee College of Music em Boston (1991) e mestrado em saxofone pela California Institute of the Arts (1993) e doutorado pela UNIRIO (2005) . Em Boston, ao se formar recebeu o prêmio Berklee Woodwind Performance Achievement Award. Entre os seus professores destacam-se Ernie Watts, George Garzone, Charlie Haden e Hal Crook. No Brasil já trabalhou com o Zimbo Trio, Alaíde Costa, Severino Araújo, Robertinho Silva, Paulinho Braga, Claudio Infante, Marcio Montarroyos, Adriano Giffoni, Victor Biglione, Nelson Faria, Nivaldo Ornellas,entre outros. Já gravou os albums Solari Jazz (1998), Brazilian Acid (2001), Soundscapes (2005), Naked Truth (2002), AC Jazz (2008), Atelier Jazz (2013), Ponte Aérea (2014) e AC Jazz Rio Blue (2015). Foi professor por cinco anos na Universidade Estácio de Sá lecionando Técnicas de Produção II e Introdução ao MIDI, Softwares de música e Workstations, Música Eletrônica e Síntese de Som, Produção Musical e Sonoplastia para Radio / TV e Harmonia. Atuou também professor substituto de saxofone da UNIRIO por dois anos, sendo responsável pelas aulas de saxofone e improvisação. A partir de 2011 assumiu como professor adjunto na Escola de Comunicação da UFRJ lecionando cadeiras ligadas à produção de audiovisual, sendo por uma ano Diretor de Graduação e Coordenador da Habilitação RTV. Atua também no Mestrado Profissional da Escola de Comunicação da UFRJ no programa de Mídias Criativas do qual foi um dos criadores e vice-coordenador por cinco anos. Em 2017, sua tese de doutorado foi lançada por duas editoras, uma na Europa e outra no Brasil, a CRV, com o título O Saxofone e a Improvisação Jazzística na Música Instrumental Brasileira.