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Por muitos anos, os principais produtores de discos contavam com músicos que pudessem oferecer performances que tornassem a edição e a mixagem não apenas mais fáceis, mas até mesmo agradáveis. O desempenho no estúdio sempre foi um desafio pois difere significativamente da música ao vivo, quando todos tocam juntos e se ajustam naturalmente.

Os estúdios, no entanto, criam um ambiente asséptico onde é comum um músico ter que tocar seu instrumento com precisão e criatividade sozinho através de fones de ouvido, sem interação humana simultânea. A música pode estar pré-gravada e o cabe ao performer fazer um overdub a partir dos tracks já gravados.

Músicos de estúdio eram altamente qualificados, com alta demanda e muitas vezes eram pagos acima da tabela normal, estabelecendo o seu próprio preço. Em alguns casos, apenas a presença deles nos créditos de uma gravação podia aumentar as vendas. Para esses profissionais, sair em turnês não era atraente pois eles ganhavam mais nos estúdios. Mas isso foi nos tempos das gravações analógicas. A era digital, que começou fortemente nos anos 90, oferece ferramentas com potencial para tornar o ofício de tais especialistas não mais necessários… pelo menos nos projetos de estúdio.

Mas a música, claro, não está sozinha nesta saga. Em 2015, a McKinsey & Co., uma empresa americana de consultoria de gestão, afirmou em um documento chamado Four Fundamentals of Automation Workplace que 70% das atividades de trabalho em 20% das ocupações poderiam ser automatizadas se as empresas adaptassem as tecnologias já disponíveis atualmente. Pelo lado positivo, uma pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial de 2017 mostrou que quase 80% dos jovens que participaram do encontro acreditam que a tecnologia está criando e não destruindo empregos para os seres humanos. No entanto, qualquer que seja o seu lado nessa questão, ao se abordar a digitalização na produção musical nos estúdios iremos notar que as tecnologias afetam e muito a percepção do desempenho humano nas gravações.

O processo de substituição de músicos por ferramentas digitais começou já faz muito tempo. Possivelmente, os primeiros que sentiram a competição com as máquinas foram os bateristas, quando as baterias eletrônicas – drum machines – se tornaram populares com o aparecimento da Linn Drum ainda no início dos anos 80, ainda na era pré-MIDI.

Em 1982, o protocolo MIDI foi lançado criando um novo mundo onde todos os aparelhos digitais, incluindo aí os sintetizadores, se comunicariam entre si. Além disso, uma performance musical podia ser digitalizada e a partir dos dados obtidos, ser repetida e, mais importante, poderia ser  quantizada e a perfeição obtida era além da capacidade humana.

Em seguida, apareceram os samples, as amostras de um som com alta qualidade que atingiram o mercado com tanta força que fez o maior canal de TV do Brasil demitir toda a sua orquestra. Partes da seção foram substituídas por sons digitais que poderiam emular o som real com resultados aceitáveis. No entanto, para bons grooves, partes de solo e ricas interpretações, um músico experiente ainda era necessário. A tecnologia disponível na época não conseguia reproduzir as inflexões, os maneirismos, as articulações, a dinâmica, as linhas improvisadas ou mesmo, qualquer reação musical que pudesse advir apenas da espontaneidade de um músico. Mas esse não é mais o caso.

Nos últimos anos, um pacote de ferramentas de edição digital foi lançado e a percepção do que é uma performance musical gravada mudou drasticamente. Novos plugins para DAWs podem corrigir erros e editar performances como nunca imaginamos. Tudo começou com o Celemony Melodyne, um software para correção de pitch lançado em 2001.

O Melodyne foi um grande avanço ao permitir não só a possibilidade de se afinar uma voz, mas também mover o pitch livremente em uma faixa ampla de possibilidades como inflexões, dobras, vibratos, etc. Todos esses atributos poderiam ser desenhados no arquivo de áudio. Em suma, agora podemos editar quase tudo, incluindo a própria nota. Então veio a possibilidade de editar o tempo das notas solo ou acordes. Ao tornar o tempo e o pitch flexíveis no domínio digital em 2007 com o Elastic Audio, poucos elementos de uma performance gravada não poderiam ser alterados.

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Tela do software Melodyne, com o qual se pode manipular os sons. Imagem: OnCue [CC BY-SA 4.0], via Wikimedia Commons

Mas isso não é tudo, hoje podemos quantificar performances em formato de áudio como foi feito em arquivos MIDI por décadas. Uma faixa inteira de ritmo pode ser quantizada com perfeição.

Em seguida, veio em 2009 DNA – direct note access – permitindo editar notas dentro de um arquivo de áudio polifônico.

Com todas essas ferramentas disponíveis, haverá necessidade de músicos com um tempo firme, uma afinação perfeita e até bom gosto para dispor as vozes de um acorde em uma gravação? Ainda não sabemos, mas devemos estar atentos ao que disseram os jovens na pesquisa realizada 2017. Novas oportunidades serão criadas e novas habilidades procuradas. Os computadores ainda não dispõe de uma visão holística da produção musical. E talvez aí esteja um campo onde o músico pode atuar melhor que os algoritmos, atentando para todas as etapas da criação e produção musical, entendendo o produto pois entende o ser humano.

Afinal… a música ainda é criada para ser consumida por nós.