2019 foi um ano especial para os fãs de jazz de qualidade. Foi o ano em que se comemorou 80 anos de existência da Blue Note, gravadora responsável por trazer um ar mais sofisticado ao jazz por meio de suas capas icônicas, pela qualidade da engenharia de som e pela propagação do movimento hard-bop, principalmente nas décadas de 1960 e 70, quando o jazz deixou de ser um gênero popular para cativar um público mais restrito.
A forma com que a Blue Note emoldurou o jazz, principalmente com a chegada arrebatadora do rock’n roll, no final dos anos 1950, permitiu que o gênero desenvolvesse uma comunicação mais efetiva com sua base de ouvintes.
Isso porque o fotógrafo Francis Wolff e o executivo Alfred Lion, com o apoio do produtor Max Margulis, perceberam um viés mercadológico pouco explorado com a chegada dos LPs.
Wolff usava a fotografia a seu favor e, com a entrada de Reid Miles, por volta de 1955, estava formada a dupla que revolucionaria a criação de capas de disco, incluindo Midnight Special, de Jimmy Smith (1961); Speak No Evil, de Wayne Shorter (1966); It’s Time, de Jackie McLean (com todas aquelas exclamações, de 1965) e dezenas de outros.
Blue Note, também, é qualidade musical. Por isso, para introduzir ao divino universo de seu amplo catálogo – que ainda hoje continua a lançar discos importantes – confira 5 clássicos inquestionáveis da gravadora:
Art Blakey & Jazz Messengers: Moanin’ (1958)
Considerado por muitos fãs e críticos o marco zero do hard-bop, Moanin’ é um disco que elevou o padrão de qualidade da Blue Note – naquela época, uma gravadora que tinha como concorrentes Prestige (com Sonny Rollins, Miles Davis, Bill Evans, entre outros) e a Impulse! (que veio com tudo com John Coltrane).
A formatação do som dos Jazz Messengers foi dada pelo baterista Art Blakey e o pianista Horace Silver, que seguiria carreira solo em 1956. Em Moanin’, Blakey já não contava mais com Horace, mas tinha um time fantástico, incluindo o trompetista Lee Morgan, o sax-tenorista Benny Golson e o pianista Bobby Timmons, além do baixista Jymie Meritt.
A engenharia de som de Rudy Van Gelder ajudou as notas melodiosas e o respeito ao tempo musical de temas como “Along Came Betty” e “Blues March”. Tinha-se, aqui, um dos primeiros sinais de sofisticação do jazz, que seria potencializado em 1959 com álbuns importantes de Miles Davis (Kind of Blue), Dave Brubeck (Time Out), Ornette Coleman (The Shape of Jazz to Come) e muitos outros.
Lee Morgan: The Sidewinder (1964)
Por muito tempo The Sidewinder manteve-se como o disco mais vendido do catálogo da Blue Note. Na época da beatlemania, chegou à 25ª posição nas paradas Billboard. As notas do trompetista Lee Morgan são mais demarcadas, levando-o a uma direção mais melodiosa – um direcionamento importante para quem ainda era comparado a Clifford Brown.
Para chegar a esse som límpido, Morgan seguiu a recomendação de Alfred Lion de chamar o saxofonista Joe Henderson. “Ouço muitas influências em seu modo de tocar; ouço Sonny [Rollins] e [John Col]Trane; e um pouco de Bird também”, disse o trompetista na época (a última referência é de Charlie Parker, gênio do bebop). O resultado é um dos discos mais enérgicos da fase inicial do hard-bop.
Eric Dolphy: Out to Lunch (1964)
O saxofonista Eric Dolphy foi um dos artífices do free-jazz ao tocar no álbum homônimo de Ornette Coleman. Seu estilo solto também compreendia música clássica, soul e bop, tornando-o um dos instrumentistas mais expressivos de todo o catálogo da Blue Note.
Seu disco essencial é Out to Lunch, em que construiu um arco sonoro ambicioso ao lado do trompetista Freddie Hubbard. O time que compõe o disco é um dream team invejável: Richard Davis, citado como um dos maiores no baixo; Bobby Hutcherson, responsável pela ressignificação do vibrafone pós-Lionel Hampton; e o jovem baterista Tony Williams, que seria, em um futuro não muito distante, referência no fusion.
Donald Byrd: Black Byrd (1973)
O trompetista Donald Byrd dominava soul e era dotado de uma técnica melodiosa que o inseria em um pedestal entre os maiores. Mas, ele queria mais; sentia que o jazz estava se desconectando do mainstream e viu no fusion uma possibilidade de renovar seu estilo e de se conectar com a comunidade negra.
Então surgiu Black Byrd, até hoje o disco mais vendido de todo o catálogo da Blue Note. Com influência do soul, funk e da música pop, o trompetista contou com a produção dos irmãos Mizell e entregou um álbum eletrificado, de um groove contagiante e cheio de energia. Essa fase seria tão bem-sucedida em sua carreira, que seguiria adiante com Places and Spaces e Stepping Into Tomorrow, de 1975.
Ambrose Akinmusire: The Imagined Saviour is Far Easier to Paint (2014)
Após apresentar alguns clássicos, pulamos diretamente para os anos 2000. Atualmente, a Blue Note possui nomes valiosos do jazz contemporâneos em seu catálogo, incluindo o pianista Robert Glasper, os cantores Gregory Potter e Norah Jones, além de Joe Lovano, Wynton Marsalis, Marisa Monte e muitos outros.
Dos mais recentes, destaco o trompetista Ambrose Akinmusire. Neste disco, The Imagined Saviour is Far Easier to Paint, ele flerta com hip hop, apresenta notas rascantes, melodiosas e complexas numa jornada tão imprevisível quanto inovadora. Sem dúvidas, um dos grandes álbuns de jazz desta década.
Sobre o Autor
Tiago Ferreira
Editor responsável do Na Mira do Groove, fã de jazz, hip hop, samba, rock, enfim, música urbana em geral.