Assopra as velinhas neste dia 05/11/2019 o músico canadense Bryan Adams, chegando a seis décadas de vida. O cantor é autor de vários hits cantados por plateias em todo o mundo, tais como “Heaven”, “Please forgive me”, “18 till I die”, entre outras músicas. Bryan Adams é um músico completo e talvez um dos melhores em seu nicho, mas que parece muitas vezes subestimado ou reduzido a um “mero cantor de baladas”, como se seu repertório se resumisse às músicas mais lentas, ou como se essas músicas não tivessem um alto padrão de qualidade devido ao modo de interpretação especial que Bryan possui.
As músicas do cantor são, de fato, mais conhecidas que o próprio por muitas pessoas, provavelmente devido ao comportamento discreto do artista. A verdade é que Bryan Adams é um artista versátil: músicas românticas como “Heaven”, “(Everything I do) I do it for you”, músicas com uma pegada mais rock como “18 till I die”, “Run to you”, ‘Summer of 69″, “Go down rockin’”, músicas românticas com mais influência de sintetizadores e com uma presença eletrônica como “Here I am”, “Cloud number 9”, acrescentando-se a estes hits a harmonia de violão mais latina em “Have you ever really loved a woman?”.
Além de toda a versatilidade, é necessário enfatizar o que é Bryan como intérprete. O cantor já dividiu os vocais em faixas com Tina Turner (“It’s only love”), Sting e Rod Stewart (“All for love” com os dois) e sua marca nestas canções sempre prevaleceu. Dono de uma potência vocal rara, Bryan Adams alia boa técnica vocal a uma rouquidão natural, o que gera seu timbre consagrado. O que está por trás da potência vocal do músico? Vozes que apresentam uma rouquidão natural, como é o caso de Bryan Adams, são muito especiais. No entanto, esta característica exige cuidados especiais como exames com mais frequência e um uso ainda mais apurado da técnica, além de bons descansos entre os usos da voz.
Pela potência vocal admirável, é provável que o músico tenha tido muitos cuidados com a saúde vocal ainda no ápice da carreira. Quem vos escreve esteve recentemente no show do cantor na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro. Bryan mantém um alcance vocal de grande margem e, em algumas músicas, até ousa cantar em tom acima daquele gravado originalmente. Sua voz possui um drive natural que se faz presente nessas notas agudas. Analisemos mais profundamente o que é a base do bom nível apresentado pelo canadense.
Estilo vocal
Bryan Adams tem uma rouquidão natural na voz, que não parece forçada. Mesmo quando opta por uma voz menos metálica, explorando mais os agudos de fundo, essa rouquidão não desaparece da emissão. O canadense também costuma utilizar essa rouquidão com mais força para enfatizar a sensação descrita em uma música, seu método de deixar a apresentação mais poderosa.
Ele utiliza pouco ar na voz, fazendo uso de uma voz inteiramente metálica. E é neste ponto que está o grande toque pessoal. O cantor não utiliza o tradicional Belting com muita frequência. Talvez o uso mais evidente desse ajuste vocal seja em “Have you ever really loved a woman?”. Sua rouquidão é um Curbing, mas possui alto volume, ou que não é característico deste modo vocal, que possui volume mais comedido. Teria Bryan um Curbing mais metálico e de mais alto volume?
Observando Bryan cantando, nota-se que sua projeção facial assemelha-se mais a ajuste vocal descrito em algumas literaturas como “Overdrive”.
A foto acima serve como base para analisarmos o Overdrive. Os dentes superiores aparecem bastante. Para um leigo, pode parecer um detalhe simples, mas faz parte de um ajuste vocal feito de maneira intencional. Chama-se “regra da mordida”, que é um dos pilares do Overdrive.
Outro pilar é não usar ar. Os ataques às notas não são aspirados. Os momentos de som mais metálicos são perceptíveis na canção abaixo, “You belong to me”.
Essa linha vocal tem menos a rouquidão, a distorção natural de Bryan. É uma interpretação mais metálica sem esse efeito. Distorções feitas de maneira natural podem ser produzidas através do Twang, expressão característica do Belting. A distorção de Bryan, como dito antes, soa mais próxima ao Curbing. Apesar de esta ser natural do cantor, há alguns atalhos para deixar a voz “mais quente”.
Por exemplo: utilizar uma distorção que privilegie mais um ajuste vocal e ao mesmo tempo tentar configurar voz em ajuste diferente daquele natural da distorção pode gerar timbres únicos. Ressalta-se também que a distorção também é usada nos tons mais elevados do Overdrive, o que talvez explique os superagudos roucos de Bryan, com muita potência. O cantor passeia bastante entre o Overdrive e Curbing, com alguns momentos de Belting.
Bryan provavelmente cuidou bastante da saúde vocal. Sua voz natural é muito especial. No entanto, vale enfatizar que o cantor não apenas tem um dom, um talento natural, mas também tem recursos técnicos, e por isso sua longevidade. Aos 60 anos e com tanto gás, provavelmente não terá danos na voz até o fim da carreira. E há quem ache que ele está melhorando com o tempo.
Vida longa a este grande cantor. Algumas apresentações que valem a pena conferir:
“All for love” – Começa com Overdrive e depois enfatiza muitas frases com Curbing.
“Have you ever really loved a woman?” – Momentos de Belting.
“It’s only love” – O agudo alto é típico de distorção com Overdrive, um agudo bastante difícil de executar, que exige bom posicionamento da língua, laringe e muita força.
Sobre o Autor
Eduardo Nepomuceno
Eduardo Nepomuceno, carioca, é músico, produtor musical e escritor. Como músico, começou a aprender guitarra aos 13 anos. Estudou o instrumento na Escola de música Villa Lobos. Além de guitarrista, também aprendeu a tocar teclado e gaita, além de ter aprendido um pouco de baixo e violino. Também interessou-se por canto no fim da adolescência. Já estudara um pouco de técnica vocal na Villa Lobos, quando começou a apreciar coral. Depois estudou canto popular na Escola Elite Musical e depois seguiu sendo treinado pelo cantor Pedro Calheiros, filho de Rinaldo Calheiros, conhecido como "a voz que emociona". Nos treinos também dedicou-se ao canto lírico influenciado pelo gosto do professor por óperas italianas. Estudou produção musical na Escola de áudio Home Studio, do professor e músico Sérgio Izeckson. Passou a utilizar os conhecimentos adquiridos no curso para fazer gravações caseiras e trabalhar com produções de baixo custo para músicos independentes. Já gravou músicos do estilo gospel, vocais usados para dublagens, além de ter trabalhado com canto popular e ensino de teoria musical. Além disso, também licenciou músicas na pequena carreira. Atualmente está se dedicando à gravação do seu projeto solo "O valor do primeiro ensaio", que terá músicas sonoras feitas essencialmente ao piano e com auxílio de guitarras, violão, baixo, orquestras programadas e cordas, mas sem elementos rítmicos como bateria. Também está escrevendo seus dois primeiros livros: "Artes de amor e guerra" e "Ópera das dores do mundo". Na área da escrita, já escreveu redações e colunas para um ramo do PN Record, antigo projeto da emissora. Atualmente publica seus textos no próprio blog. Entre seus assuntos abordados estão políticas de financiamento cultural, análises críticas artísticas e didática de áudio.