A última vez que falei com Jorge Drexler foi após o lançamento de Bailar En La Cueva (2014), um álbum gravado na Colômbia e que utilizava ritmos e instrumentos colombianos para criar algumas das músicas mais dançantes que Drexler já havia feito. Depois disso ele fez uma curva acentuada, soltando Salvavidas de Hielo (2017), um disco no qual voltou a um som acústico. Mas ainda cheio de invenções e com algumas das melhores músicas que Drexler já gravou.
Parece quase certo que muitas das músicas de Salvavidas serão tocadas por Drexler em sua turnê mundial, Silente, na qual se apresenta apenas com voz e violão, e que passou pelo London’s Roundhouse no dia 24 de janeiro de 2020.
No final de 2019, tive 20 minutos para conversar com Jorge Drexler sobre a turnê, mas também queria perguntar a ele sobre a criação de Salvavidas e além de sua palestra esclarecedora no TED, com a atual agitação política na América do Sul, que surge também na nossa conversa.
Quando conversamos pela última vez, falamos muito sobre o Bailar En La Cueva e como esse álbum era um reflexo de uma parte mais ampla da América Latina em sua identidade, uma identidade que talvez não esteja normalmente associada ao Uruguai. Salvadidas de Hielo, que sabidamente foi gravado no México, foi uma continuação daquele elemento latino-americano da sua identidade?
Tenho a sensação de que haverá uma trilogia latino-americana. O primeiro foi gravado na Colômbia, o segundo foi gravado no México, e eu não sei exatamente onde esse terceiro álbum irá me levar, mas ainda tenho o que procurar na América do Sul. A maior coisa que minha carreira musical me deu foi a América do Sul. Pude descobrir através das minhas músicas um continente inteiro, mais do que um continente, porque prefiro falar da Ibero-América do que da América Latina, pois incluo Espanha e Portugal, onde sinceramente me sinto em casa.
Então, o segundo registro dessa trilogia feita na América do Sul, Salvavidas de Hielo, teve um conceito geográfico muito semelhante, que é escolher um país e ir até lá para interagir com os músicos e sons locais, mas teve uma estética completamente oposta a esse conceito. Em Bailar en la Cueva eu abri a porta para muitos instrumentos diferentes que nunca havia usado antes: todo o espectro da percussão colombiana, que é um grande espectro, e a variedade de ritmos, interações e músicos colombianos. Tínhamos timbales, congas, tambor alegre, tínhamos muitas, muitas coisas que nunca havia usado antes, principalmente na percussão. E muitos metais, teclados e eletrônicos.
Em Salvavidas de Hielo, fui na direção oposta. Nós usamos apenas violões, tudo o que você ouve no disco, toda percussão é tocada no violão. É voz ou violão. Eu queria experimentar os dois instrumentos básicos do cantor / compositor, o trovador, que são seu violão e sua voz, e focar apenas nisso.
Essa escolha teve algum efeito nas letras ou no conteúdo das músicas?
Não, eu não mudei nada. Porque essa era outra diferença com o Bailar En La Cueva.
Bailar En La Cueva era uma gravação centrada no ritmo. Isso significa que eu já escrevi as músicas com uma base rítmica, queria escrever seguindo o corpo e o pulso rítmico. Eu queria escrever para o ritmo e para o corpo, para o movimento, para a parte bailar do disco, para dançar. Não gastei muito tempo compondo no Bailar En La Cueva.
Eu acho que o processo de composição de Salvavidas de Hielo levou três vezes mais tempo que no Bailar En La Cueva. Passei um ano inteiro escrevendo, e acho que a escrita é melhor. O que não significa que o registro seja melhor, porque não sou capaz de julgar o resultado do registro como um todo, mas senti uma coisa, por exemplo: depois de 100 shows de Salvavidas de Hielo, continuamos tocando as 12 músicas do álbum ao vivo, algo que só aconteceu comigo com outro álbum chamado Eco.
Eu acho que investir um ano inteiro na escrita realmente foi bom, porque eu não queria entrar no estúdio sem todas as músicas.
Todas as músicas foram escritas em um sofá com um violão, um editor de texto – ou uma folha de papel – e um pequeno gravador que eu tenho.
Eu queria que as músicas fossem autônomas, pudessem ser tocadas apenas com violão e voz, porque não sabia no começo que usaria o violão para percussão. Eu sabia que seria apenas violão e vocal, o que acabou acontecendo de uma maneira diferente, porque trouxemos cinco percussionistas para tocar no violão.
É interessante que você fale sobre esse processo mais demorado de escrever as músicas. Eu assisti recentemente ao seu TED Talk e fiquei impressionado com a forma como você descreve a complexidade da identidade. Passar esse tempo extra permitiu definir melhor a identidade de cada música?
Isso não é possível, nunca conseguimos a identidade de uma música da maneira que desejada. E é assim mesmo. Quanto mais você se esforça, mais detalhes você tem. A busca da perfeição é logo desconsiderada, e segue-se com a imperfeição, assim como é na vida.
A palestra do TED foi feita no meio do processo de composição do disco, então tive a sensação de que era a 13ª música do disco.
Eu estava dentro da dinâmica da escrita e dei continuidade com a palestra do TED.
Há uma música que é um spin-off, que é a música “Movimiento”. As últimas palavras que digo na palestra do TED são anunciadas nessa música: “De ningún lado del todo / De todos lados un poco”. “Não somos somente de um lugar, somos um pouco de todos os lugares”, algo mais ou menos assim.
Era uma piada interna, mas eu estava anunciando a música “Movimiento”, que estava sendo escrita ao mesmo tempo em que escrevia a palestra do TED. Ela surgiu desse conceito e também do livro de Yuval Harari, que é um livro muito conhecido chamado Sapiens: Uma Breve História da Humanidade.
Estou completamente perdido agora. Preciso escrever um novo disco e não sei por onde começar, o que é um bom sinal [risos].
Você ainda não escolheu um país para seu novo álbum?
Não sei. Sei que quero ir para algum lugar [para gravar], quero ir para o Brasil, talvez. Desde a última vez que conversamos viajei para todos os países da América do Sul, exceto Honduras.
Muitos deles – como México, Argentina, Chile e Brasil – todos os anos, às vezes 10 ou 11 cidades, então eu tenho uma conexão muito forte com a Ibero-América.
Há um movimento muito emocionante no Equador, que é muito surpreendente. Você conhece Nicola Cruz? Mateo Kingman? Pessoas que vieram da floresta amazônica para tocar. Ele foi criado na Amazônia, é realmente emocionante.
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O Equador pode ser interessante. Existem muitos países para escolher na América do Sul!
Quando quero dizer que não sei para onde ir, quero dizer mais em termos da parte do processo de escrita.
É um momento tão complexo agora na América do Sul, tudo parece estar se movendo, tudo parece ficar polarizado, tudo parece ficar extremo também, é realmente difícil para mim falar sobre isso.
Detesto simplificação, acho que estamos passando por uma época sem sutilezas na América do Sul. Seja você A ou B. Odeio aquelas situações em que você tem posições opostas que se excluem.
É frustrante mas, novamente, é como você disse em seu TED Talk. A vida é complicada. Nos dizem que a solução para a imigração é construir um muro, para usar um exemplo americano, mas é muito mais complexo que isso.
Você acabou de dizer algo que eu não tinha percebido. Eu tenho o mesmo relacionamento com um país ou com uma pessoa. Quanto mais você se aproxima da Bolívia, mais complexo parece, é como conhecer alguém.
Recuso-me a simplificar o conceito e a tomar partido da minha visão política do mundo, que tenho, mas recuso-me a aplicar essa visão à Venezuela, Bolívia e Chile, só para que eu possa simplificar as coisas. Não é tão fácil.
Cada país é realmente diferente e complicado e, muitas vezes, as coisas que parecem opostas estão na verdade se movendo na mesma direção, então você precisa ler muito, informar-se e conversar bastante.
E tenho a sorte de poder telefonar para pessoas de todos esses países e ouvir sua versão em primeira pessoa, podendo ter uma conexão mais profunda. Neste momento, devemos procurar saber muito sobre um pequeno número de coisas, e não um pouquinho sobre muitas coisas.
Essa turnê Silente que virá para Londres já começou?
Nós já estivemos na Argentina, Chile, Brasil e Uruguai. Primeiro fomos a esses países, entre outros, fizemos 100 shows e depois saímos em turnê novamente para muitos desses lugares: Argentina, Uruguai, Chile, Portugal, Espanha, México e só depois vamos para Londres. Assim é Silente.
É também uma mudança para o lado oposto da orquestração. Tivemos um grande show com uma banda grande e agora este é um show muito pequeno, com apenas uma pessoa no palco, que sou eu.
Usamos o silêncio como matéria prima e, paradoxalmente, a forma de evidenciar o silêncio é usando os sons, criando e emudecendo um som.
É um show muito sutil, muito minimalista, apenas com luzes brancas que iluminam através de transparências, iluminação antiga e convencional, sem luzes programadas em movimento. Todas as luzes são muito teatrais, muito fixas. O design do som é muito sofisticado, usamos microfones que funcionam apenas à certa distância, então não temos muita pressão sonora.
Não sei como isso vai funcionar na Roundhouse. Estou muito curioso sobre isso, porque eu amo o local, mas é um palco muito aberto e amplo, então teremos que inventar algo. Eu já estive antes na Roundhouse e realmente adorei.
Pela primeira vez na minha vida, meu filho, que vive em Londres, vai abrir o show. Ele é um compositor muito interessante, na verdade ele sabe muito mais sobre música do que eu. Ele se chama Pablo Drexler e você pode encontrá-lo por aí. Você pode encontrá-lo no Soundcloud. Eu sou o pai dele, não posso julgá-lo, mas acho ele incrível [risos].
Eu gostaria de dizer mais uma coisa sobre o show. Silente é um exercício de falta de informação. Neste momento, estamos sob essa onipresente invasão de informações às quais estamos expostos: informações visuais, informações sonoras, informações emocionais, estamos recebendo estímulos o tempo todo, nos acostumamos a esse bombardeio de informações múltiplas que recebemos. Portanto, Silente exige do público uma atenção muito focada em uma coisa.
Queríamos trabalhar com percepção, fazer as pessoas se concentrarem em um detalhe específico, com a quantidade mínima de informações que você precisa fornecer para atrair a atenção do público. Foi realmente difícil chegar a esse ponto, mas estou muito feliz.
Parece legal. E você tocará músicas de toda a sua carreira?
Vai da primeira música que fiz até a última que escrevi. Estou muito feliz com o show. Eu acho que tenho que ir.
By Russ Slater
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O trabalho “Entrevista com Jorge Drexler: Vivemos uma época sem sutilezas” de Musicosmos está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://soundsandcolours.com/articles/uruguay/were-going-through-a-period-with-no-subtleties-an-interview-with-jorge-drexler-49848/.