Encerrada mais uma edição do Rock in Rio, o desempenho dos vocalistas das bandas Scorpions e Iron Maiden no dia 04/10/2019 chamou a atenção de simpatizantes das bandas, meros espectadores e da crítica de maneira geral. Klaus Meine, aos 71 anos, e Bruce Dickinson tiveram suas performances elogiadas por conseguirem manter suas vozes em bom nível durante todo o tempo em suas apresentações. A idade pode ser um peso para alguns, mas para outros é apenas mais tempo de sabedoria, e dentro deste saber está o conhecimento dos próprios limites e o próprio corpo. Por meio da utilização das boas práticas de técnica vocal, Bruce e Klaus respeitam, há longo tempo, seus limites, sem extrapolar, e agora colhem os frutos dessa escolha. Façamos uma análise dos elementos técnicos que caracterizam essas vozes.
Comportamento das cordas vocais de acordo com a frequência
Não é difícil para as cordas vocais estirar ou abrandar, mas torna-se complicado se estas estiverem obstruídas. Uma obstrução é qualquer constrição inesperada que previne as cordas vocais de esticar e isso torna difícil que notas mais agudas sejam alcançadas. Quando um cantor tenta ultrapassar esse limite devido à obstrução com uso de força, a constrição pode piorar. Um cantor precisa de habilidades vocais para contornar as constrições.
Os músculos de constrição são aqueles conhecidos por proteger nossas cordas vocais e traqueia durante a mastigação. Os constritores da garganta também protegem as cordas vocais, caso haja exposição a uma grande tensão. As constrições da garganta, isto é, a pressão sobre, são inimigos do cantor e, por isso, agudos devem ser explorados com extrema leveza.
Como Klaus Meine e Bruce Dickinson projetam seus agudos?
Além do mecanismo de respiração mais apropriado, um cantor deve fazer outras escolhas para sua interpretação. O vocalista define um ajuste vocal e coloração para a própria voz. O primeiro termo se refere ao quão metálica a voz será, isto é, o termo está relacionado com a região de predominância da voz. Esse modo vocal costuma ter uma cor mais frequente. Coloração está relacionada ao trato vocal, o espaço interno da boca e sua consequente ressonância. Quanto maior o trato vocal, mais escura é a voz. No geral, os ajustes vocais são controlados por imagens mentais, que ajudam o vocalista a chegar ao ajuste desejado, e pela configuração da mandíbula, queixo, lábios, no geral, a parte externa relacionada ao canto. A coloração já é diretamente determinada pela posição da língua, palato mole e laringe, principalmente (outros são citados nas literaturas de canto).
O ajuste vocal preferido do rockeiros, principalmente das vertentes do hard rock e metal, é o Curbing. Este ajuste é conhecido por soar como uma “voz espremida”, uma voz que é “segurada”, obtida por meio do uso do empuxo (como se nos engasgássemos). O leitor pode entender sua sonoridade ouvindo atentamente o vocal de “Whole lotta love”, do Led Zeppelin, ou muitos dos vocais de Dave Coverdale nas canções de rock do Whitesnake, como “Looking for love”. Esse modo vocal gera mais presença e drives mais naturais. É uma projeção de menor volume, realmente usada para cantar com o microfone, diferente de outros ajustes, que são realizados a fim de se obter um maior volume, como o ajuste neutro mais usado para ópera, de uma época em que era necessário levar a voz até a última cadeira da plateia sem qualquer meio de amplificação. Como a voz é menos volumosa e não tão projetada na parte frontal (não é uma voz na região da máscara, na frente do rosto), é um ajuste considerado meio metálico.
Dos dois cantores desta matéria, o que utiliza uma voz com ajuste mais próximo ao Curbing é Bruce Dickinson. No entanto, esses cantores não são especiais apenas pelos seus ajustes vocais. O ponto que merece a atenção é a mistura de elementos que esses cantores usam, que geram algumas vezes uma mudança de coloração, mas que conseguem manter a voz presente mesmo diante dessa variação. O uso intenso de variações de posicionamento da língua, palato mole e laringe é o que dá a qualidade dessas vozes e também a durabilidade. Bruce Dickinson costuma cantar mostrando bem os dentes frontais, com a mandíbula inferior bem recuada.
Para os mais leigos, pode parecer uma mera cena, mas é conhecida no canto popular como “regra da mordida”, e de onde vem o metálico de Bruce. O cantor inglês varia bastante a coloração da voz variando a posição da língua, usando a língua ampla “broad tongue”, isto é, abaixando-a e colocando a ponta nos dentes inferiores, o que gera uma coloração mais escura e muitas vezes aparece em seus agudos. Quando não deseja o efeito, simplesmente não dá ênfase a este posicionamento.
Já Klaus Meine utiliza técnicas mais próximas da ópera, e é sabido que teve contato com a técnica mais comum ao canto lírico após seu acidente vocal nos anos 1980. Klaus Meine costuma cantar com o palato alto bastante elevado e também com a laringe consideravelmente abaixada. Estes dois fatores escurecem consideravelmente a voz. Para clarear e não ficar uma voz com muito peso para o gênero, Meine utiliza muitas vezes uma língua mais alta, indo em direção ao palato. Deste modo, o cantor consegue diminuir o tamanho do trato vocal, o que clareia a voz. Utilizando bem palato, laringe e a língua, Meine mantém agudos bem característicos. É muito fácil ouvir este resultado em “Still loving you” (no famoso “I need your love”), ou como no vocal de “When you came into my life”.
Efeito bem característico também da laringe abaixada, com uma voz mais escura no rock, é visto no vocal de Joey Tempest (banda Europe), como na canção “The final countdown” e a maneira como são atingidos os agudos na música. Com muita técnica, respeito aos próprios limites, e utilização dos diversos recursos conhecidos nos estudos de projeção vocal, estes vocalistas mostram vida longa de boa prática vocal e visam términos de carreira mais saudável. Antes minimizado no próprio rock, hoje não há quem questione a importância de estudar tantos elementos responsáveis pela sonoridade vocal.
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Sobre o Autor
Eduardo Nepomuceno
Eduardo Nepomuceno, carioca, é músico, produtor musical e escritor. Como músico, começou a aprender guitarra aos 13 anos. Estudou o instrumento na Escola de música Villa Lobos. Além de guitarrista, também aprendeu a tocar teclado e gaita, além de ter aprendido um pouco de baixo e violino. Também interessou-se por canto no fim da adolescência. Já estudara um pouco de técnica vocal na Villa Lobos, quando começou a apreciar coral. Depois estudou canto popular na Escola Elite Musical e depois seguiu sendo treinado pelo cantor Pedro Calheiros, filho de Rinaldo Calheiros, conhecido como "a voz que emociona". Nos treinos também dedicou-se ao canto lírico influenciado pelo gosto do professor por óperas italianas. Estudou produção musical na Escola de áudio Home Studio, do professor e músico Sérgio Izeckson. Passou a utilizar os conhecimentos adquiridos no curso para fazer gravações caseiras e trabalhar com produções de baixo custo para músicos independentes. Já gravou músicos do estilo gospel, vocais usados para dublagens, além de ter trabalhado com canto popular e ensino de teoria musical. Além disso, também licenciou músicas na pequena carreira. Atualmente está se dedicando à gravação do seu projeto solo "O valor do primeiro ensaio", que terá músicas sonoras feitas essencialmente ao piano e com auxílio de guitarras, violão, baixo, orquestras programadas e cordas, mas sem elementos rítmicos como bateria. Também está escrevendo seus dois primeiros livros: "Artes de amor e guerra" e "Ópera das dores do mundo". Na área da escrita, já escreveu redações e colunas para um ramo do PN Record, antigo projeto da emissora. Atualmente publica seus textos no próprio blog. Entre seus assuntos abordados estão políticas de financiamento cultural, análises críticas artísticas e didática de áudio.