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Antigo mapa do Brasil. Obra em Domínio Público. De http://www.dominiopublico.gov.br

[su_label type=”black”]Adaptado da obra de Sergio Branco.[/su_label] Continuação do artigo anterior

De acordo com o art. 1º da LDA, esta é a Lei que regula os Direitos Autorais, entendendo-se pela expressão os direitos de autor e os direitos conexos. Os direitos autorais seriam gênero do qual os direitos de autor e os direitos conexos seriam espécies.

Os direitos de autor são, assim, aqueles conferidos ao criador da obra literária, artística ou científica. Já os direitos conexos são os detidos pelos artistas intérpretes ou executantes, produtores fonográficos ou empresas de radiodifusão, aos quais são conferidos os mesmos direitos atribuídos aos autores, no que couber.

Desde logo, é importante esclarecer que a obra intelectual protegida se distingue do suporte físico em que se encontra eventualmente incorporada. A LDA visa a proteger a obra intelectual, não seu suporte. A aquisição de um livro, por exemplo, confere a seu proprietário todos os direitos de propriedade sobre o bem: ele poderá vender, doar, abandonar ou destruir seu bem. No entanto, o proprietário do livro não terá direitos quanto ao texto contido no livro (a verdadeira obra intelectual).

Para a LDA, os direitos autorais se reputam bens móveis e os negócios jurídicos a eles relacionados devem ser interpretados restritivamente. O autor sempre será pessoa física, sendo que a proteção conferida ao autor poderá ser aplicada às pessoas jurídicas nos casos previstos em lei.

Importante:

A proteção de que trata a lei não depende do registro da obra em qualquer órgão público ou privado.

A LDA indica quais as obras são protegidas por direitos autorais, sendo a lista do artigo 7º considerada meramente exemplificativa. Também indica a LDA as criações não estão sujeitas à proteção por direitos autorais, no artigo 8º.

Um dos aspectos mais relevantes para o desenvolvimento desta série de artigos é a divisão dos direitos autorais em dois feixes, ou grupos, de direitos: os morais e os patrimoniais. Muitas vezes, a doutrina trata (a nosso ver equivocadamente em ambos os casos, do que cuidaremos mais adiante) os primeiros como se fossem emanação da personalidade do autor, e os segundos como objeto de propriedade.

Quanto aos direitos morais do autor, prevê a lei o seguinte…

Art. 24. São direitos morais do autor:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III – o de conservar a obra inédita;

IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.

Direitos inatos?

Para Adriano de Cupis, os direitos de personalidade não são inatos, estando “vinculados ao ordenamento positivo tanto como os outros direitos subjetivos, uma vez admitido que as ideias dominantes no meio social sejam revestidas de uma particular força de pressão sobre o próprio ordenamento. Por consequência, não é possível denominar os direitos da personalidade como ‘direitos inatos’, entendidos no sentido de direitos relativos, por natureza, à pessoa”. Vê-se, portanto, que Adriano de Cupis rejeita a possibilidade de os direitos de personalidade serem um direito natural: o fundamento de sua existência é mesmo o ordenamento jurídico.

Com palavras a nosso ver mais claras, afirma um tanto adiante:

“o direito moral de autor, (…), não é um direito inato. De fato, só surge em seguida a um ato de criação intelectual. Quer dizer, não corresponde a todo aquele que seja munido de personalidade, mas àquele que, além de ter personalidade, se qualifique ulteriormente como ‘autor’”.

Além disso, o ato de criar é uma faculdade que pode jamais vir a ser exercida.

Mas não só quanto a não serem de fato inatos repousa a crítica contra a tese de se defender os direitos morais do autor como direitos de personalidade. Todos os demais direitos desta categoria (vimagem, privacidade, honra, nome, integridade psicofísica) encontram-se presentes de maneira indissolúvel ao próprio titular. Já o direito moral do autor depende de um fator externo para existir: a exteriorização da obra intelectual.

Em síntese, o ato de criação será o fato gerador do surgimento de ambos os feixes de direitos garantidos aos autores: os patrimoniais e os morais. É a criação da obra (exteriorizada por qualquer meio ou fixada em qualquer suporte, nos termos da lei) que garante a proteção autoral. Adriano de Cupis não vê nesse fato qualquer obstáculo, ao afirmar:

“Por consequência, o fato de o direito moral de autor não ser inato, e de o seu fato constitutivo ser o mesmo que para o direito patrimonial de autor, não constitui argumento para negar a sua autonomia a respeito deste último, uma vez que, tendo embora a mesma origem, a sua vida segue regras próprias e distintas, correspondentes ao seu caráter de essencialidade. O sujeito adquire ao mesmo tempo, enquanto autor, o direito patriomonial e o direito moral de autor. Mas, como veremos, estes dois direitos cessam de existir a par quando o primeiro se destaca da pessoa.”

O entendimento de Adriano de Cupis pode ser sintetizado da seguinte forma: os direitos morais de autor, ainda que não sejam inatos e ainda que tenham o mesmo fato constitutivo dos direitos patrimoniais, são distintos e independentes destes pois é possível que o direito patrimonial seja cedido (ou seja, se “separe da pessoa do autor”), mas não o direito moral.

Até aí, nenhuma dúvida. O que indagamos é se apesar dessas distinções (não serem inatos, dependerem da existência de um bem externo ao próprio titular para começarem a existir e talvez sequer virem a existir, pela inércia – ou mesmo incapacidade de fato de seu potencial titular) os direitos morais de autor podem ser qualificados como direitos de personalidade.

Adriano de Cupis se limita a afirmar que “uma vez nascido, o direito moral de autor tem caráter de essencialidade e, portanto, constitui um verdadeiro direito da personalidade”.

Para Bruno Jorge Hammes, “o direito moral é o que protege o autor nas relações pessoais e ideais (de espírito) com a obra”.

Transmissão dos direitos

De maneira imprecisa e pouco técnica, a LDA informa que os direitos previstos nos incisos I a IV transmitem-se aos herdeiros do autor. Ocorre que a interpretação literal do dispositivo não faz sentido. Quanto aos incisos I, e II, é certo que não se trata da transmissão do direito de o herdeiro reivindicar para si a autoria da obra do de cujus nem tampouco de ter seu nome a ela vinculado. Só pode a lei estar fazendo referência à defesa do direito do autor da obra, e não da herança propriamente dita do direito.

O mesmo se pode dizer do inciso IV, já que a LDA é expressa em afirmar que competirá ao herdeiro (que sucedeu o autor nos termos do § 1º do art. 24) defender a reputação ou a honra do autor morto caso modificações na obra venham a ferir qualquer desses direitos.

Diferente, no entanto, é o entendimento quanto ao inciso III. De fato, aqui há verdadeira transmissão do direito, já que passará a competir ao sucessor do autor decidir quanto à conveniência de publicar a obra do autor falecido ou mantê-la inédita. Acreditamos, entretanto, que esse direito apenas existe se o autor, antes de falecer, não deixou manifestada de maneira inequívoca qual sua vontade quanto ao destino a ser dado a obras eventualmente ainda inéditas. Caso haja provas do interesse do autor de não permitir a publicação de alguma(s) de suas obras, sua vontade deve permanecer soberana mesmo após sua morte.

De acordo com o texto legal, não se transmitem aos sucessores os direitos morais constantes dos incisos V, VI e VII. Mas também aqui algumas considerações devem ser feitas.

Se se tratar de obra técnica, como livros jurídicos ou de medicina, por exemplo, é natural que haja modificações autorizadas pelos sucessores a fim de atualizar as informações constantes da obra. Do contrário, seria inclusive difícil mantê-la comercialmente disponível.

Fez bem a lei em não permitir aos sucessores que possam retirar obra de circulação comercial, conforme previsto no inciso VI do art. 24. Do contrário, seria possível aos sucessores, a título de exemplo, querer ser mais conservadores do que o próprio autor da obra. Imagine-se, por exemplo, escritor de livros infantis que publique, ainda em vida, livro de contos eróticos. Após sua morte, seus sucessores poderiam invocar o inciso VI para dizer que o teor do livro de contos atenta contra a reputação ou imagem do autor falecido. Ora, se o próprio autor em vida não se furtou à publicação, não podem os sucessores retirarem a obra de circulação comercial. Seria, neste caso, fazer a vontade dos sucessores mais soberana do que a do autor.

Por outro lado, não faz sentido impedir os sucessores de terem acesso a exemplar único e raro de obra do autor falecido. Voltaremos a estes aspectos relacionados aos direitos morais em capítulos futuros.

(continua…)


Artigo baseado no livro O DOMÍNIO PÚBLICO NO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO – UMA OBRA EM DOMÍNIO PÚBLICO, de Sergio Branco.

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Este trabalho (O domínio público no direito autoral brasileiro: uma obra em domínio público, de Sergio Branco) está livre de restrições de direito de autor e de direitos conexos conhecidas.