“Não existe um melhor que outro em arte”. As aspas são para me eximir da autoria dessa frase, que é uma das mais difundidas por aí. Posso concordar com ela em parte: é verdadeira a afirmação se a comparação for entre dois artistas com assinatura, mas nunca se for entre um artista com assinatura e outro que ainda não chegou a esse estágio. Alguns nunca chegam.
Reputo errado comparar, portanto, um artista identificável pela própria arte e outro que engatinha, que não saiu da fase de aprendizado ou que chuta para todo o lado para ver se acerta. (haverá quem chute para o resto da vida, mas esse é assunto para outro artigo).
Picasso não precisaria assinar a sua pintura. Nem Van Gogh. As pinturas são as próprias assinaturas. Basta olhar e já se sabe quem são. Compará-los com artistas incompletos ou sem talento com base nessa ideia de que “em arte não existe um melhor que outro”, é descabido.
Santana, se lançasse um disco sem nome, não passaria desapercebido. Meia nota na guitarra e já se sabe quem é. Jimi Hendrix ou BB King também. Não se confundem com ninguém, não são genéricos.
Existe outra classe , que é a dos que não estão prontos mas cujo potencial é imediatamente aferível. Também não se devem comparar porque, apesar de terem claro potencial, ainda não estão prontos. Uma assinatura pode consumir boa parte de uma vida até ser alcançada.
Em termos mais corriqueiros, apenas para facilitar a ideia, todos podem escrever, mas muito poucos são escritores.
Da mesma forma, uma coisa é conseguir ser melódico tocando algumas notas, outra é ser músico. Todos podem soprar uma gaita blues, mas Little Walter ou Paul Butterfield são outra coisa muito além disso.
Todos podem gostar de rock, sair fazendo riffs e copiando Smoke On The Water, mas ser Jimi Hendrix, Santana ou Ritchie Blackmore vai também muito além disso.
Para se saber se um artista já passou da fase de aprendizado, se ainda engatinha nela, se tem potencial ou se deve ir vender limão na feira em vez de ser músico, é preciso poder de análise. E para tê-lo é preciso ter erudição, cujos sinônimos (simplificando muito, uma vez mais) poderiam ser sabedoria, sapiência, conhecimento. E essas qualidades se adquirem lendo muito e desde muito cedo sobre todas as áreas.
No caso da música, ouvi-la em profundidade e variedade significa lê-la também. Música lê-se, pintura e teatro também, não apenas livros. Todas as linguagens artísticas, seja qual for o segmento, requerem leituras.
Trazendo a coisa para um canto mais específico, dizer que Albert King é melhor que Freddy King ou que Jimmy Page ou “trice”-versa, é perda de tempo. Pode-se gostar mais de um que de outro, é o máximo.
Depois há ainda questões a colocar na balança, uma delas, importantíssima, é a do significado.
Van Morrison toca vários instrumentos – e a rigor nenhum a sério. Mas o seu significado artístico é muito superior ao de centenas (milhares?) de instrumentistas exímios. A obra que transcende é rara. E esse é assunto para outro artigo também.
[su_box title=”Visite a Loja Musicosmos:”]
[su_posts template=”templates/list-loop.php” posts_per_page=”3″ post_type=”product” taxonomy=”product_cat” tax_term=”293″ order=”desc” orderby=”rand”]
[/su_box]
No campo da guitarra, como outro exemplo, existem milhares de guitarristas com técnicas exuberantes e até mais proficientes que Wes Montgomery, mas é muito difícil que lhe superem o significado.
Mais ou menos como nascer com a voz de Billie Holiday, a organicidade (figadal!) de Son House ou exercer apenas o academicismo da Berkeley School of Music ou o Musicians Institute de Los Angeles. O fígado de Wes é só dele e nasceu especial. O de Son House também.
Em tempos em que qualquer coisa é tida por genial (por condescendência irresponsável da crítica ou pela pura, simples e ignorante falta dela) estes conceitos podem parecer estranhos. Mas como tudo é cíclico neste mundo desconhecido em que sequer sabemos por que existimos, quem sabe a erudição volte a ser valorizada em algum momento cósmico.
Portanto: só “não existe um melhor que o outro em arte”, se a comparação for entre dois artistas na verdadeira acepção do termo. Se for entre um artista completo e um iniciante (mesmo que com claro potencial) ou mesmo um profissional mas sem assinatura, (que é o equivalente musical dos quadros da Praça da República) existe melhor e pior sim.
Abraço todos!
[su_box title=”Visite a Loja Musicosmos:”]
[su_posts template=”templates/list-loop.php” posts_per_page=”3″ post_type=”product” taxonomy=”product_cat” tax_term=”293″ order=”desc” orderby=”rand”]
[/su_box]
Sobre o Autor
Nuno Mindelis
Nuno Mindelis teve o primeiro reconhecimento internacional pela Guitar Player Magazine/EUA, a Bíblia mundial da Guitarra, que nos anos 90 o comparou ao lendário Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin. Pouco depois, foi eleito o melhor guitarrista independente de Blues ao vencer o 30th Anniversary Guitar Player Magazine Competition, concurso promovido pela mesma publicação. Gravou e fez turnês com a banda Double Trouble, (banda de Stevie Ray Vaughan) e participou de importantes festivais internacionais , anunciado ao lado de nomes como Prince, Diana Krall, George Benson, Oscar Peterson, Jimmy Vaughan, B.B King e muitos outros.
Foi incluído na lista dos 30 melhores guitarristas brasileiros de todos os tempos da Rolling Stone Brasil.