Durante muito tempo os artistas e o mercado musical se balizaram por processos de seleção estabelecidos e conhecidos como gravadoras (que abriam as portas do mercado fonográfico), crítica especializada (em jornais e revistas) e algum espaço na televisão aberta. Gravar um LP, independente ou por alguma gravadora já era um feito por si só pois os mecanismos de produção, divulgação e distribuição eram funis que exigiam que vários fatores pudessem convergir para que o produto se concretizasse.
Um disco era mais que um cartão de visita imponente, na verdade era um portal para que o artista ganhasse visibilidade. Chamar a atenção da critica especializada e conseguir espaços em mídias relevantes também transportava um artista para outro patamar, abrindo boas possibilidades profissionais para exposição e melhor remuneração.
Com a substituição dos processos analógicos pelos digitais houve um barateamento dos custos de produção. O que se viu foi uma nova realidade onde registrar o trabalho não era apenas possível, era até facilmente alcançável e quase todos os artistas podiam ter seus CDs para venda e promoção. As gravadoras ainda iam muito bem e ter um suporte de uma gravadora ainda era um diferenciador pois colocava o artista em outro estágio uma vez que essas empresas disponibilizavam estúdios e uma rede de distribuição que não estavam ao alcance de produções independentes. Inclusive, com um CD independente bem feito nas mãos, o artista podia conseguir críticas na imprensa e enviar seu trabalho para programadores de espaços culturais e festivais ao redor do mundo.
Quando o mercado fonográfico colapsou com a popularização do mp3 e a troca de arquivos digitais via p2p (peer to peer), os CDs perderam seu valor imanente. O consumo de música se transferiu para dispositivos digitais como computador, players de arquivos de áudio, chegando eventualmente aos telefones celulares, ou smartphones, que são para muitos a principal (senão única) janela para o mundo da música e dos eventos musicais.
Paralelamente a esse desenvolvimento tecnológico vimos o surgimento das mídias sociais e uma gradativa perda de importância dos meios de comunicação tradicionais (jornais, revistas e televisão aberta) como os principais formadores de opinião.
Dentro dessa nova lógica surgiram medidores de qualidade e de popularidade como likes (curtidas), seguidores, views (visualizações), etc., que pretendem mostrar um alcance artístico traduzidos em números que podem nem ser verdadeiros, mero resultado de maquiagem digital, vide as fabricas de likes que geraram matérias jornalísticas recentemente.
Assim, o valor comercial ou artístico de qualquer um passou a ser contabilizado a partir de medidores de presença digital – como o número de seguidores em mídias sociais. Novas práticas como pequenos videos musicais editados (pílulas de música) são postados diariamente à exaustão nas mídias para marcar uma presença constante na rede na esperança de tornar um artista relevante, pelo menos digitalmente.
Nesse cenário programadores de espaços culturais, festivais e até de casa noturnas procuram saber qual a presença que o artista tem no cyberspace antes mesmo de ouvir sua música, como se o número de visualizações ou seguidores bastasse para explicitar uma significância artística. Praticamente não existe mais crítica especializada, apenas likes.
E pessoalmente… I don’t like it!!!
Sobre o Autor
AC
Saxofonista com bacharelado em Performance na Berklee College of Music em Boston (1991) e mestrado em saxofone pela California Institute of the Arts (1993) e doutorado pela UNIRIO (2005) . Em Boston, ao se formar recebeu o prêmio Berklee Woodwind Performance Achievement Award. Entre os seus professores destacam-se Ernie Watts, George Garzone, Charlie Haden e Hal Crook. No Brasil já trabalhou com o Zimbo Trio, Alaíde Costa, Severino Araújo, Robertinho Silva, Paulinho Braga, Claudio Infante, Marcio Montarroyos, Adriano Giffoni, Victor Biglione, Nelson Faria, Nivaldo Ornellas,entre outros. Já gravou os albums Solari Jazz (1998), Brazilian Acid (2001), Soundscapes (2005), Naked Truth (2002), AC Jazz (2008), Atelier Jazz (2013), Ponte Aérea (2014) e AC Jazz Rio Blue (2015). Foi professor por cinco anos na Universidade Estácio de Sá lecionando Técnicas de Produção II e Introdução ao MIDI, Softwares de música e Workstations, Música Eletrônica e Síntese de Som, Produção Musical e Sonoplastia para Radio / TV e Harmonia. Atuou também professor substituto de saxofone da UNIRIO por dois anos, sendo responsável pelas aulas de saxofone e improvisação. A partir de 2011 assumiu como professor adjunto na Escola de Comunicação da UFRJ lecionando cadeiras ligadas à produção de audiovisual, sendo por uma ano Diretor de Graduação e Coordenador da Habilitação RTV. Atua também no Mestrado Profissional da Escola de Comunicação da UFRJ no programa de Mídias Criativas do qual foi um dos criadores e vice-coordenador por cinco anos. Em 2017, sua tese de doutorado foi lançada por duas editoras, uma na Europa e outra no Brasil, a CRV, com o título O Saxofone e a Improvisação Jazzística na Música Instrumental Brasileira.