Breve panorama do jazz em 2018

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Sons of Kemet no Oslo Jazzfestival, agosto de 2018 em Oslo. Foto Tore Sætre [CC BY-SA 4.0], de Wikimedia Commons

Pode não parecer, mas o jazz permanece como um dos terrenos musicais mais criativos de nossos tempos. Lá no Na Mira do Groove, mensalmente trago uma seleção de 10 novidades do jazz, como forma de manter o alerta para o que tem sido lançado no gênero. Tem muitos discos incríveis, de novatos, talentosos e experientes, que deveriam despertar mais o interesse de quem se diz fã do gênero.

Vou mencionar algumas das principais descobertas em 2018 (fique atento: em breve faço uma seleção dos melhores de jazz no Na Mira).

Um jazz mais politizado

As eleições norte-americanas podem ter acabado, mas permanece a indignação não apenas com as declarações de Donald Trump, mas também por conta da ascensão da xenofobia em todo o mundo. Este é um assunto muito caro ao jazz que, em sua essência, preza pelo diálogo, confronto e intersecção de culturas.

O saxofonista Wayne Escoffery, por exemplo, fez de Vortex um manifesto contra a intolerância. Ele é britânico, filho de jamaicanos e vive nos EUA. Temas como “February” e “Acceptance”, por exemplo, remontam às lutas dos escravos em busca de uma expressão artística.

Já o grupo britânico Sons of Kemet, liderado pelo saxofonista Shabaka Hutchings, critica a monarquia do Reino Unido já no título: Your Queen is a Reptile. É um som robusto, que enfatiza perfis de mulheres negras com biografias de peso para assumirem o título de rainhas, como Harriet Tubman, Angela Davis e Doreen Lawrence, todas com histórias de lutas, riscos e muita sabedoria.

Para Origami Harvest, o trompetista Ambrose Akinmusire deu mais espaço ao canto, com abertura para o R&B, hip hop e soul para criticar violência policial, a estrutura do racismo na América e a sociedade de consumo. Insight parecido seguiu o saxofonista Marcus Strickland em People of the Sun, focado na diáspora africana por vários países do mundo.

Destaques para as mulheres no jazz

Ainda hoje, alguns dos nomes mais celebrados no jazz são homens. Não pela falta de instrumentistas talentosas, que fique claro. Exemplos de mulheres jazzistas pipocam – e não falo apenas de grandes cantoras, como Cécile McLorin Salvant ou Esperanza Spalding, já reconhecidas na cena contemporânea.

Duas grandes instrumentistas lançaram discos sensacionais em 2018: uma delas é Mary Halvorson, excelente em fazer com que a guitarra seja munida de sons mais imprevisíveis. Além de sair com o álbum duplo Ours e Theirs junto ao power-trio Thumbscrew (com o baterista Tomas Fujiwara e o baixista Michael Formanek), ela impressionou ao lançar Code Girl, que encapsula escolas do fusion, free e spiritual numa forte expressão feminista.

De forma mais sutil, mas ainda assim edificante, a pianista canadense Renee Rosnes lançou Beloved of the Sky enfatizando belas melodias. Ouvi-la é como contemplar lindas paisagens naturais, e as colaborações de caras como Chris Potter (sax) e Steve Nelson (vibrafone) ajudam a ter novas percepções dessas belezas. (Renee veio ao Brasil em agosto deste ano, como atração do Sesc Jazz, em São Paulo.)

Consagrados na ativa

Marcus Miller, baixista conhecido por ajudar Miles Davis a criar a mescla de jazz com funk e R&B nos anos 1980, retornou às ‘origens’ ao lançar Laid Back, com toda a pegada funky-jazz.

Os experientes Joe Lovano e Dave Douglas uniram forças em Scandal, em busca de um novo tipo de bop, enquanto o organista Dr. Lonnie Smith fez questão de reforçar a potência do ao vivo em All in My Mind, com belas versões de temas de Wayne Shorter (“JuJu”) e Paul Simon (“50 Ways to Leave Your Lover”).

Smith lançou o disco pela lendária Blue Note, que também investiu pesado no álbum triplo Emanon, de Wayne Shorter, que conta com versões refeitas em estúdio e ao vivo de vários clássicos dele e de outros jazzistas, com apoio da Orpheus Chamber Orchestra, com mais de 30 músicos.

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Tiago-Ferreira
Tiago Ferreira
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Editor responsável do Na Mira do Groove, fã de jazz, hip hop, samba, rock, enfim, música urbana em geral.