A dor de perder Marcelo Yuka (e O Rappa)

Quando foi decretado o fim da banda O Rappa, em 2018, os milhares de fãs que compraram ingressos talvez não imaginariam que eles mal se falavam fora dos palcos. A reportagem da Folha de S. Paulo sobre os bastidores de shows que reuniram mais de 20 mil pessoas por apresentação foi um balde de água fria na despedida de uma das bandas mais bem-sucedidas do Brasil entre os anos 1990 e 2000. As brigas vinham desde a saída mal resolvida de Marcelo Yuka – tanto que o vocalista Marcelo Falcão e o baixista Xandão quase saíram na porrada.

Por mais que o clima de cisão não fosse explícito, O Rappa já não era mais aquela banda inspiradora com letras contundentes sobre a situação social do país. Desde que Yuka deixou de integrar a banda como baterista, após ser baleado em 2000 e ficar paraplégico, as coisas foram mudando aos poucos.

Sobrevivendo sem Yuka

No começo do século, O Rappa era uma banda gigante – principalmente pelo sucesso estrondoso do álbum Lado B Lado A (1999), com hits como “Me Deixa”, “O Que Sobrou do Céu” e “Minha Alma”. Nesse período, realizou grandes turnês pelo país, fixando parte de um repertório que acompanharia a banda para a sempre. Não podemos esquecer o disco seguinte, Instinto Coletivo (2001), com quatro faixas inéditas e versões ao vivo de alguns clássicos que potencializaram o repertório ao vivo.

O Silêncio Q Precede o Esporro (2003), o primeiro sem Yuka, surfou um pouco na consagração de crítica e público, mas também revelou uma banda mais solta. Todos os integrantes alternaram instrumentos e colaboraram nas letras, quebrando, a priori, as incertezas sobre os rumos do grupo sem o discurso politizado do antigo líder. Músicas como “Mar de Gente”, “Reza Vela” e “O Salto” ampliaram o repertório de hits da banda. Seus shows ficaram cada vez melhores, mais disputados e atraindo mais público.

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Marcelo Yuka. Foto: Instagram

Dor exposta

Mas, depois, a história d’O Rappa começa a adquirir borrões na paisagem. A celeuma com a saída de Yuka, além de mal explicada, gerou controvérsias. Nenhum integrante dava um pio – talvez fosse estratégia de marketing da gravadora Warner, que fez de tudo e conseguiu torná-los gigantes.

Até que, ao lançar o documentário Marcelo Yuka no Caminho das Setas, em 2012, o ex-baterista deu a seguinte declaração ao Terra sobre a relação com O Rappa:

“Eles me mandaram embora em um momento em que eu estava com sequelas. Se fosse pelo direito trabalhista, isso já seria um crime. Foi crime. Se eu tivesse pensado nisso naquele momento… Seria um absurdo. Fora isso, as questões que eles alegam são questões fúteis, de uma pequenez humana quase que sem precedentes na história da cultura brasileira.”

Para a geração que acompanha a evolução de O Rappa, a declaração de Yuka foi a confirmação do que muitos já desconfiavam: ele realmente não continuou devido às suas condições físicas. Aliás, a questão foi outra: Yuka foi, como diz o dito, “convidado a se retirar”.

Se foi uma decisão conjunta ou não – ou se houve interferência da gravadora – o fato é que a banda respondia mais a uma lógica empresarial do que criativa.

Silenciosamente, essa lógica foi assimilada pelos fãs, ainda antes da declaração de Yuka. Quando a banda anunciou sua primeira ruptura, em 2009, as coisas já haviam mudado. O retorno, em 2011, veio com o anúncio de um show no Via Funchal, com preços entre R$ 120 e R$ 300. Quando a banda veio com o álbum derradeiro, Nunca Tem Fim (2013), a empolgação, embora existente, já não era a mesma. Tudo seguia o mesmo rito, até que os shows de encerramento, em 2018, perderam o brilho após as revelações dos bastidores.

Por outro lado, a morte de Yuka fez com que milhares de pessoas compartilhassem composições da fase áurea de O Rappa até Instinto Coletivo. Talvez muitos tivessem esquecido, ocultado ou deixado pra trás, mas perder definitivamente uma das mentes mais inquietas da música brasileira evocou a dor de não termos mais O Rappa como uma das melhores bandas de nossa geração.

O Rappa já tinha acabado, mas só com a morte de Yuka a ficha caiu.

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Tiago-Ferreira
Tiago Ferreira
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Editor responsável do Na Mira do Groove, fã de jazz, hip hop, samba, rock, enfim, música urbana em geral.