Para Letieres Leite, a percussão é o início de tudo. Faz sentido quando temos a Bahia como ambiente e um extenso legado histórico influenciado pela cultura negra que resiste desde as primeiras importações de escravos africanos.
O maestro e multi-instrumentista defende o protagonismo da percussão em seu rico trabalho com a Orkestra Rumpilezz, que estende sua atuação para os atuais rumos da música popular brasileira. Afinal, além do trabalho com dezenas de instrumentistas, Letieres trabalhou com músicos como Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Lucas Santtana e muitos outros.
Sua música é rica em texturas e permite a desenvoltura de instrumentos das demais famílias. Entre notas de teclados, flautas e guitarras, a música de Letieres Leite obedece a um fluxo antropológico. São celebrações na mesma medida em que são reflexões sobre uma história de muitos combates.
A violência que caracteriza nossa historiografia não é exemplificada. Porém, é assimilada e canalizada como parte de um longo processo identitário da nossa formação enquanto povo. O que se tem são expressões de melancolia e alegria que se misturam.
O Enigma Lexeu: novo disco de Letieres Leite com quinteto
Admirado no Brasil e em águas internacionais, Letieres Leite também possui trabalhos com grupos mais compactos.
Apesar de mais de 20 anos liderando um quinteto, só agora ele lançou um disco – ao lado de Luizinho do Jêje (percussões), Ldson Galter (contrabaixo), Marcelo Galter (teclados), Tito Oliveira (bateria) e Letieres assumindo sax e flautas.
Assim como os trabalhos com a Rumpilezz, O Enigma Lexeu põe a percussão em primeiro plano. Não que ela seja onipresente: ela entra como elemento focal que conecta os demais instrumentistas pelo modus operandi do jazz.
O segredo da criatividade está nas diferentes justaposições. Os teclados de Marcelo operam como se fossem uma extensão das percussões, integrando o trabalho de Jêje ao baixo de Ldson.
Quando toma a dianteira com a flauta, Letieres Leite parece evocar crônicas que os livros de História não trazem. Em “Patinete Rami Rami”, vem à mente imagens desses povos africanos tentando se comunicar entre eles, apesar das distintas linguagens e dialetos.
As intersecções rítmicas de “Honra ao Rei” têm uma estrutura edificante. A música é pacífica, ao mesmo tempo em que parece refletir uma contínua escala de trabalho. Seria uma percepção de como funcionavam os quilombos?
A matriz africana presente na música de Letieres Leite permite que o próprio ouvinte crie seus traçados históricos.
Sua riqueza de detalhes e entrelaces musicais – mesmo num formato compactado, como o quinteto – deixa uma sensação de que sabemos muito pouco sobre nossa própria formação cultural. É ouvir o disco do maestro e ter vontade de vivenciar e se aprofundar naquilo o que o Brasil tem de mais misterioso: a formação de seu povo.
Sobre o Autor
Tiago Ferreira
Editor responsável do Na Mira do Groove, fã de jazz, hip hop, samba, rock, enfim, música urbana em geral.