Helena Meirelles é considerada uma importante representante da música regional brasileira e sua história de vida é um precioso exemplo feminino de luta e libertação.
Biografia
Helena Meirelles nasceu em Campo Grande, capital do atual Mato Grosso do Sul a 13 de agosto de 1924, numa sexta-feira treze. Logo a família mudou-se para a fazenda Jararaca no município de Bataguassu, localizado a 330 km da capital sul-mato-grossense. Sua tataravó era uma índia “capturada no mato” do Paraná, por parte de pai tinha avó paraguaia e avô mineiro, no lado materno descendia de avô paraguaio e avó paulista, seu pai era paraguaio e sua mãe mato-grossense. Em palavras registradas sobre sua descendência no documentário biográfico Dona Helena:
“Eu tenho sangue de tudo quanto é bicho… e bicho perigoso,venenoso. Porque eu fui cobra…fui braba”.
A menina Helena desde muito cedo manifestou interesse e aptidão para tocar violão, mas o ambiente rústico e o conservadorismo dos anos 30 não permitiam que uma mulher se dedicasse à prática de um instrumento musical que levaria a um contato social contrário ao seu confinamento doméstico predestinado. Como violão era “coisa de homem”, Helena Meirelles passou a estudar o instrumento escondido da sua família, observando a prática dos violeiros paraguaios, prestando atenção no rasqueado da mão direita e nas diferentes afinações que eram usadas.
Certa vez, quando da estadia de um tio em sua casa, teve a oportunidade e coragem de tocar violão para o visitante que logo se surpreendeu com a aptidão da menina, na época com apenas nove anos. A partir daí, o talento da menina não poderia mais ser escondido e Helena era levada para tocar fora de casa em festas locais.
Aos dezessete anos foi forçada a contrair o primeiro matrimônio, mas logo abandonou o marido e os filhos e juntou-se com um músico paraguaio para poder assumir livremente sua personalidade musical. No entanto, não tardou a abandonar também a segunda união e “sair pelo mundo” em busca de liberdade.
Na década de 1940, em ambientes rurais como o pantanal mato-grossense, o cenário boêmio reduzia-se às festas que duravam dias e aos prostíbulos, e esse foi o destino da violeira.
“Eu só queria ser eu! Eu sou dona do meu nariz e da minha direção.”
Conheceu seu terceiro e último marido Constantino na Zona do Porto 15, um rapaz mais jovem e parceiro até o últimos dias de sua vida. De um total de onze filhos, sete foram gerados a partir de casamentos, os demais vieram de relacionamentos esporádicos. Mesmo tendo a possibilidade de abortar, ato bastante comum às mulheres na sua condição, Helena, que também era parteira, nunca interrompeu uma gestação porém nunca foi uma mãe dedicada aos filhos.
Na década de sessenta, Helena Meirelles e seu terceiro marido foram para regiões afastadas do pantanal mato-grossense e, por quase trinta anos, não há conhecimento de suas atividades, sabe-se que ela trabalhou como lavadeira e os seus relatos sobre o convívio com os animais peçonhentos do pantanal são muito curiosos.
No início dos anos 1990, Nathalia, irmã de Helena, em uma visita à cidade de Piquerubi, encontrou a violeira por acaso numa praça em estado de pobreza e fisicamente fragilizada, porém afastada dos antigos vícios (cachaça e fumo). Por compaixão, a irmã fez lhe um convite para ir à grande São Paulo a fim de restabelecer a sua saúde.
Chegando na metrópole paulista, a violeira conheceu Mário de Araújo, seu sobrinho e primeiro produtor, encontro que alavancou sua carreira musical e, com sessenta e sete anos de idade, foi finalmente reconhecida artisticamente.
Morreu em Campo Grande-MS em 2005 com 81 anos.
A palheta mística
A religiosidade e misticismo sempre estiveram presentes na história das manifestações culturais populares, sobretudo em ambientes rurais como a região fronteiriça do Mato Grosso do Sul. Em depoimento sobre a confecção de sua própria palheta, Helena Meirelles fez um relato lembrando a história do guitarrista de Blues Robert Johnson (Mississipi/EUA, 1911-1938) que teria feito um pacto com o diabo numa encruzilhada à meia noite para melhorar o seu desempenho como instrumentista.
No documentário Helena Meirelles – a dama da viola, a violeira mostra como ela mesma, influenciada pelos violeiros paraguaios, fazia suas próprias palhetas. No filme, com uma faca e um chifre de boi em mãos ela relata:
“Isso aqui, quando eu era criança, paraguaio fazia toda sexta-feira da paixão… antes do sol nascer, debaixo da figueira, então eu peguei esse costume… toda a vida fiz minha palheta… eles que falavam e eu aprendi com eles, eu nunca vi o capeta… mas isso foi invenção do capeta.”
Invenção ou não do diabo, o que realmente importa é que, em 1994, a palheta da Helena Meirelles entrou para o poster das 101 principais palhetas da revista Guitar Player americana, importante ressaltar que foi a única presença brasileira da condecoração.
O reconhecimento
Mário de Araújo reconheceu logo o potencial artístico de sua tia e passou a ser o seu produtor. Primeiramente gravou uma fita cassete (demotape) e enviou para a revista Guitar Player numa caixa junto com uma foto da artista, um guizo de cascavel de sete gomos e uma de suas palhetas de chifre de boi. O editor da revista americana Jas Obrecht achou o estilo de Helena muito interessante e vários artigos foram escritos abrindo posteriormente também espaço na imprensa brasileira.
O primeiro programa televisivo foi Viola, minha Viola da TV Cultura, onde esteve mais de uma vez. Gravou o programa Ensaio da mesma emissora, deu entrevistas em vários jornais e programas de grande audiência como o Fantástico da TV Globo. Obteve premiações internacionais e nacionais como Spotlight Arts (1993) e Cem e uma palhetas do Século (1994) pela GuitarPlayer Magazine e foi incluída na lista 30 maiores ícones brasileiros da guitarra e do violão (Categoria: Raízes Brasileiras) da revista Rolling Stone Brasil.
Discografia
- 1994 – Helena Meirelles
- 1996 – Flor de guavira
- 1997 – Raiz pantaneira
- 2002 – Ao vivo (também conhecido como De volta ao Pantanal)
- 2004 – Os bambas da viola (compilação com um tema de Helena Meirelles)
Técnica
Helena Meirelles usava um violão com corda de aço em afinação natural e uma viola dinâmica de sete bocas (o nome dinâmico vem do diafragma de metal que funciona como um ressonador proporcionando a característica metálica do timbre).
A grande maioria de suas músicas está em tonalidades maiores devido à afinação aberta da viola, onde as cordas soltas soam um acorde perfeito maior. Helena também era cantora, há registros da sua voz inclusive no idioma guarani, mas a maioria das suas músicas foram gravadas sob forma instrumental.
O chamamé, o seu principal estilo musical, é um dos ritmos nascidos da mistura entre a cultura guarani e a européia, juntamente com a polca paraguaia e a guarânia, muito popular no sul do Brasil e nas fronteiras com o Paraguai e Argentina. A harmonia das músicas é relativamente simples seguindo a dualidade Tônica/Dominante com alguns acordes triádicos de passagem.
Helena Meireles era solista, termo que designa o músico que se encarrega de executar a melodia, portanto sempre se apresentava acompanhada de mais um músico ao violão fazendo a base. As melodias são quase sempre repetidas três vezes revezando parte A e parte B, algumas notas são tocadas com o reforço harmônico de sua respectiva terça. O slide, técnica que consiste em aproximar duas notas numa mesma corda escorregando o dedo no braço e com uma só palhetada, é bastante usado sobretudo nos tempos fortes. O uso de palheta na viola caipira é uma característica marcante do estilo de Helena Meirelles.
Transcrição: A Volta de Guira Campana
Referências
- TOFFOLI, Dainara. Dona Helena. 2001 (55:45) Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=nTGOLwo0Ya0&t=2342s . Acesso em 21 de jul. 2019
- DE PAULA, Francisco. Helena Meirelles: a dama da viola, 2004 (1:12:40), Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=LiVG3m4BWz4&t=2328s . Acesso em 21 de jul. 2019
- HELENA MEIRELLES. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Helena_Meirelles&oldid=55491767>. Acesso em 20 de jul.2019
- Helena Meirelles [ Violeira, Instrumentista, Cantora e Compositora Brasileira].Revista Biografia.2011. Disponível em <http://sociedadedospoetasamigos.blogspot.com/2012/03/helena-meirelles-violeira.html>. Acesso em 21 de jul. de 2019
Visite nossa Loja:
[su_posts template=”templates/list-loop.php” posts_per_page=”5″ post_type=”product” taxonomy=”product_cat” tax_term=”294″ order=”desc” orderby=”rand”]
Sobre o Autor
Gabi Gonzalez
Natural da cidade de São Paulo, Gabi Gonzalez é guitarrista e mestranda em música pela UNICAMP. Formada em guitarra pela antiga ULM "Tom Jobim" (atual EMESP), é pós-graduada em Educação Musical pela FIC e em Música Popular pela FACCAMP. Graduada e licenciada em História pela USP. Desde 2001 trabalha como guitarrista profissional tocando em diversos projetos de diferentes estilos como Jazz, Blues, Rock, Hip Hop e etc. Atualmente é guitarrista da Jazzmin’s Big Band. Influenciada pelo seu professor Olmir Stocker, começou a compor seus próprios temas instrumentais com forte influência de ritmos brasileiros. Seu primeiro disco autoral instrumental, Morro do Eixo, foi lançado em 2012 no Instrumental Sesc Brasil (Sesc Consolação) . Em 2017, gravou seu segundo disco Com Elas com o grupo feminino Elas Quarteto. É professora de guitarra e violão e pesquisadora na área de musicologia.