Novo álbum do Bon Jovi apresenta perfil bem definido e consciente. A obra se mostra um dos melhores trabalhos recentes da banda.
Como vinha a banda antes do álbum
O sucesso comercial do Bon Jovi – mesmo após sua melhor fase, que vai do “Slippery When Wet” ao “These Days” – é inegável. Mesmo após a fase de ouro, a banda conseguiu emplacar alguns hits relevantes como “Have a nice day” e “It’s my life”.
Também não se pode negar que a banda tenha entrado no piloto automático já em um momento que se antecede à saída de Sambora da banda.
Após o “These days” alguns álbuns do grupo tiveram um perfil um pouco descaracterizado, algumas vezes disfarçados pelo sucesso comercial de algumas músicas. Isso já é visto no álbum Crush, que tem momentos de rock, outros românticos e algumas músicas mais próximas a um pop rock, talvez um pouco perdidas no álbum.
Músicas como “It’s my life” e “Thank you for loving me” fizeram tanto sucesso que disfarçaram um pouco a falta de coesão. Um álbum com boas canções, mas que não mostrava para os fãs o caminho que a banda trilharia.
O álbum posterior, “Bounce”, é mais coeso. No entanto, depois é lançado o “Have a nice day”, que é mais lembrado pelo hit homônomo. Logo após, vem o álbum “Lost Highway”. Este último talvez tenha sido o álbum mais interessante da banda nos últimos 20 anos, por mais que divida os fãs. É um álbum com um perfil country, bem definido. É uma aventura da banda, é verdade, bem diferente dos trabalhos anteriores da banda. É um trabalho que visa um mercado consumidor que a banda ainda não alcançava.
Jon Bon Jovi sempre mostrou sua visão comercial e nunca tem medo de mostrar que atualiza seu som pensando em mercado. “Lost Highway” cumpriu a missão de posicionamento em um novo nicho, foi competente e apresentou, a meu ver, a melhor música romântica da banda nos últimos 15 ou 20 anos, “(You want to) Make a memory”. E a partir deste álbum que considero que a banda começa a perder o rumo de coerência entre os álbuns.
O “The Circle” não entrega o que prometia ser (uma volta da banda ao Hard rock), apesar de “Superman tonight” ter conquistado muitos fãs. O som artificial do disco não convence.
Boas músicas são lançadas após o álbum: “What do you got?”, “No Apologies” e “This is our house”.
“What about now”, última produção com Richie Sambora nas guitarras, é – na opinião de quem aqui escreve – a pior obra da banda. Traz letras de maior consciência social ou motivadoras, como já acontecia em faixas do The Circle, mas peca na harmonia das faixas.
De relevante no álbum, “Amen”. A banda lança o “Burning Bridges” em 2015, que é uma compilação de faixas não finalizadas, apenas para encerrar o contrato com a Mercury Records.
O primeiro álbum com Phill-X (substituto de Sambora), “This house is not for sale”, traz lampejos interessantes, mas muitas músicas da mesma fórmula. Muitas músicas com formato repetitivo, mas algumas que já relembravam os melhores hits da banda a partir dos anos 2000, como “This house is not for sale”, “Knockout” e “Scars on this guitar”.
De fórmula pronta também, “Roller Coaster” e “Come on up to our house” se mostram competentes, pois não soam artificiais, explorando o melhor do Bon Jovi pop rock, sem tentar se parecer com algo do estilo Coldplay. Foi uma tentativa de retomar um foco, uma coesão do álbum, mas que tropeçou muito em faixas um pouco desconexas com as outras. Com esses lampejos esperava-se um álbum que, ou seguiria o piloto automático dos últimos álbuns com lampejos e músicas de mesma base e repetições, ou se basearia nesses lampejos para um álbum competente, sem grandes inovações. Felizmente a banda resolveu ser mais ousada dessa vez e entregou aos fãs uma boa obra, como há tempo não fazia. É o melhor álbum da banda, ao menos desde o “Lost Highway”.
O Álbum 2020
O trabalho seria lançado no primeiro semestre deste ano, mas a pandemia adiou os planos da banda.
Com dez faixas, foram substituídas as canções “Luv can” e “Shine”, que deram lugar a “Do what you can” e “American Reckoning”, compostas durante a pandemia. Aqui abordaremos todas. Alguns momentos de proximidade com Bruce Springsteen principalmente, David Bowie e Creedence. Outros próximos às músicas da banda nos anos 1990.
O álbum começa com “Limitless”. Uma faixa mais do mesmo, apostando em um refrão fácil, sem dar relevância à guitarra, como muitas das canções lançadas pela banda. Não acrescenta ao álbum, passando a impressão para o ouvinte de que o álbum seria uma repetição do que aconteceu nos anteriores.
Na sequência vem “Do what you can”, faixa que destoa no álbum, que poderia estar no “What about now”, mas ganha sua importância pela mensagem e tom alegre, composta no ápice do isolamento social. Vejamos as estrofes transcritas abaixo:
Although I'll keep my social distance (Embora eu vá manter minha distância social) What this world needs is a hug (O que esse mundo precisa é de um abraço) Until we find the vaccination (Até encontrarmos a vacina) There's no substitute for love (Não há substituto para o amor) So love yourself and love your family (Então ame você mesmo, ame sua família) Love your neighbor and your friend (Então ame você mesmo, ame sua família) Ain't it time we loved the stranger (Não é hora de amarmos o desconhecido) They're just a friend you ain't met yet (Eles são apenas um amigo que você ainda não conheceu)
A letra é motivadora, tentando dar um tom positivo a um momento ruim, mas a harmonia da música repete a fórmula de álbuns anteriores. Mas a partir da faixa seguinte é que o álbum embala uma ótima sequência. “American reckoning”. Apesar de simples, a música se destaca pelo lado Bob Dylan de Jon. Soa como uma música solo, baseada no caso George Floyd e os protestos que se espalharam pelo país. Revela uma das habilidades de Jon ao construir músicas com tom político. Jon consegue agir como um contador de história, sem ser militante, deixando a reflexão ao ouvinte. Um acerto.
A faixa seguinte, “Beautiful Drug” segura bem o ritmo. Um riff de introdução lembrará “Have a nice day” ou “This house is not for sale” a alguns ouvintes. Para outros lembrará “Smells like teen spirits” do Nirvana. Progressão harmônica manjada, mas que lembra algumas faixas de menos destaque de álbuns da fase mais rock da banda.
“Story of love”, a faixa posterior, é um dos pontos altos do álbum. Um arranjo com cordas discretamente ao fundo, com piano e violão bem destacados. Uma letra bonita sobre amor entre pais e filhos, sobre crescer. Traz um dos raros solos de Phill-X no álbum, e um de seus melhores na banda.
“Let it rain” é a música mais Bruce Springsteen do álbum. Sim, é até possível imaginar “The Boss” cantando a faixa. Uma música com bom astral, animadora.
Em “Lower the flag”, mais uma vez vemos o que parece uma faixa solo de Jon, com um formato minimalista, um arranjo focado em violão novamente. A letra aborda os diferentes casos de tiroteios em massa ocorridos nos EUA. Mais uma vez é o lado “Bob Dylan” de Jon. Mais uma vez reflexiva.
A seguir vem a música que considero a melhor do álbum, “Blood in the water”. Excelente introdução, um refrão forte. A estrutura da música lembra “Dry County”, uma das melhores músicas da banda, presente no álbum “Keep the Faith”. Não tem um solo tão poderoso quanto o visto na faixa gravada por Sambora, mas já tem potencial para ser uma das melhores faixas da banda lançadas após o “These Days”.
“Brothers in arms” soa como uma das faixas soltas no “Keep the Faith”, com uma pegada mais rock. Sim, lembra bastante “Born on the bayou” do Creedence, mas ao mesmo tempo traz a nostalgia noventista da banda novamente.
O álbum se encerra em “Unbroken”, que é não mantém o ritmo da sequência. A música não deixa de ter suas virtudes, pois é bem sincera. Uma música sobre os traumas vividos pelos veteranos de guerra. Uma letra que confirma a excelente fase de Jon como letrista.
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Faixas extras
As faixas “Luv can” e “Shine” foram as faixas substituídas do álbum. Ambas possuem um clima mais próximo às baladas de “These days”. Qualquer uma delas acrescentaria mais ao álbum do que “Do what you can” por exemplo, ou conectariam melhor as faixas do que “Limitless” como abertura do álbum.
“Shine” deveria ter seguido no álbum. Lembra os bons momentos do “These days” como “It’s hard letting you go” (apesar de essa ser mais lenta), e com um preenchimento de fundo do arranjo que lembra Bruce Springsteen.
Pontos fortes e fracos do álbum:
Pontos fortes:
- O nível vocal de Jon Bon Jovi está melhor durante este período de afastamento. As músicas têm sido executadas ao vivo no mesmo tom de gravação, diferente da prática de anos da banda, quando se gravava em meio tom acima do que se costuma tocar. A voz de Jon está mais limitada, com alcance menor, mas o vocalista encontrou sua região de brilho, e isso ajudou a dar uma melhor definição para o perfil da banda. A banda ganhou uma cara com este álbum, com um Jon mais consciente do que ainda pode fazer.
- Sonoridade própria: A banda reencontrou seu som. Alguns momentos passam a impressão de ser apenas uma carreira solo de Jon, mas outros mostram que a banda conseguiu explorar um pouco de sua sonoridade mais antiga. Fugiu do pop rock, que tentava aproximar a banda de outras mais modernas. Não foi previsível.
- Letras: Jon vive uma grande fase como letrista. Tenta alcançar a relevância de artistas como Dylan, relatando os acontecimentos do mundo sem exatamente militar por uma causa. É um ótimo acerto.
Pontos negativos:
- A presença de Phill-X nos arranjos ainda se mostra tímida. Provavelmente não por sua culpa, mas por uma estética já definida. No entanto, ressalta-se que sua guitarra foi mais ouvida nesse álbum em comparação com o anterior.
- Tropeços eventuais: Provavelmente muitos não acharão que foi a melhor opção começar o álbum com “Limitless” e “Do what you can”, que passam a impressão de que seria um álbum mais do mesmo. Teria sido melhor manter pelo menos uma entre “Shine” e “Luv can” (confesso aqui que a primeira me agrada mais).
Nota: Um bom álbum, com certeza o melhor da banda desde o “Lost Highway”. Muitas músicas com potencial para apresentações ao vivo.
Nota: 7,5
Abaixo deixo os links para ouvir o álbum, as faixas extras e a última apresentação da banda, que acredito que mostrem um pouco da melhora no vocal de Jon.
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Sobre o Autor
Eduardo Nepomuceno
Eduardo Nepomuceno, carioca, é músico, produtor musical e escritor. Como músico, começou a aprender guitarra aos 13 anos. Estudou o instrumento na Escola de música Villa Lobos. Além de guitarrista, também aprendeu a tocar teclado e gaita, além de ter aprendido um pouco de baixo e violino. Também interessou-se por canto no fim da adolescência. Já estudara um pouco de técnica vocal na Villa Lobos, quando começou a apreciar coral. Depois estudou canto popular na Escola Elite Musical e depois seguiu sendo treinado pelo cantor Pedro Calheiros, filho de Rinaldo Calheiros, conhecido como "a voz que emociona". Nos treinos também dedicou-se ao canto lírico influenciado pelo gosto do professor por óperas italianas. Estudou produção musical na Escola de áudio Home Studio, do professor e músico Sérgio Izeckson. Passou a utilizar os conhecimentos adquiridos no curso para fazer gravações caseiras e trabalhar com produções de baixo custo para músicos independentes. Já gravou músicos do estilo gospel, vocais usados para dublagens, além de ter trabalhado com canto popular e ensino de teoria musical. Além disso, também licenciou músicas na pequena carreira. Atualmente está se dedicando à gravação do seu projeto solo "O valor do primeiro ensaio", que terá músicas sonoras feitas essencialmente ao piano e com auxílio de guitarras, violão, baixo, orquestras programadas e cordas, mas sem elementos rítmicos como bateria. Também está escrevendo seus dois primeiros livros: "Artes de amor e guerra" e "Ópera das dores do mundo". Na área da escrita, já escreveu redações e colunas para um ramo do PN Record, antigo projeto da emissora. Atualmente publica seus textos no próprio blog. Entre seus assuntos abordados estão políticas de financiamento cultural, análises críticas artísticas e didática de áudio.