O álbum DAMN de Kendrick Lamar deveria ser ouvido por todos os compositores. Recentemente discutimos o valor de ouvir todos os tipos de música. Defendemos que é de extrema importância recorrer aos artistas mais destacados para o desenvolvimento de critérios que serão aplicados no próprio trabalho. Esta é uma tarefa que deve se tornar um hábito para que seu efeito seja palpável.
Embora devamos ouvir muita música que se aproxime daquilo que se pretende compor, também acreditamos que é muito importante consumir não só outros tipos de música, mas a arte em geral, sempre com a ideia de formar e desenvolver aquela paleta de cores que dará vida às nossas canções.
Kendrick Lamar
Desta vez iremos em busca de algo menos óbvio e conversaremos sobre um álbum de Kendrick Lamar. Essa produção, intitulada Damn, impressionou bastante a indústria na época de seu lançamento – seu conteúdo é realmente especial e rompe com muitos dos paradigmas do hip-hop comercial.
Lamar surgiu como uma revelação musical, e artistas como Noel Schajris e Taylor Swift declararam publicamente sua profunda admiração por Kendrick Lamar. No caso de Swift, a cantora garantiu que Lamar é a pessoa mais talentosa que ela já conheceu.
Vamos ver um pouco do que nós, compositores, podemos aprender com Lamar, focando especialmente no álbum Damn.
Damn, de Kendrick Lamar
O álbum começa com uma música chamada “Blood”. Lamar rompe com todas as convenções do hip-hop assim que o som começa, já que ele nem está cantando ou fazendo rap, está simplesmente falando com uma linguagem clara e lenta, relatando uma situação específica.
Essa música dura menos de dois minutos, mas comunica a situação de maneira muito eficaz, criando tensão por toda parte e explodindo com um clímax totalmente inesperado e abrupto no final.
A música que acompanha as palavras faladas por Lamar também faz um excelente trabalho. É um groove nada excitante cuja qualidade pode ser definida como “cautelosa”.
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Indo além
Na faixa seguinte, intitulada “DNA”, Lamar mostra sua habilidade de fazer rap de várias maneiras e emprega frases elaboradas que criam variedade e tensão ao longo da faixa.
Essa música tem um vídeo com a participação do renomado ator Don Cheadle, que dá uma nova dimensão ao tema dessa música.
Damn é um álbum que, como o anterior de Lamar (To Pimp a Butterfly), está permeando a cultura e teve uma recepção muito boa tanto do público quanto da crítica.
Apesar de falar sobre várias questões sociais (algo que não é tão comum no Hip-hop comercial), as canções e letras de Lamar não estão muito distantes da comunidade e da situação em que ele cresceu e na qual muitos permanecem presos. Ele tem uma maneira única de lidar com questões como a pobreza extrema, a violência e a falta de educação, além das questões sexuais típicas, tratadas com inteligência, mas sem soar elitista.
Kendrick Lamar em contexto
A maneira como ele aborda os temas presentes em seus álbuns é talvez a coisa mais impressionante no trabalho de Lamar e, em alguns casos, os próprios problemas não são ortodoxos para um artista com seu nível de reconhecimento comercial.
Entretanto, em Damn, Kendrick Lamar também corre riscos quando se trata de sons, batidas, grooves e a parte estritamente musical. Um bom exemplo disso é a música “Feel” que tem um groove da Bossa Nova onde Lamar faz rap com maestria. É uma justaposição única: as letras se movem rapidamente expressando as frustrações e o descontentamento de uma vida na qual o mundo falhou e o indivíduo também falhou, tudo isso com um ritmo de Bossa relaxado que permanece constante durante toda a duração da música.
Sua expressão afro-americana
Independentemente do assunto, pode-se dizer que em tudo o que Lamar registra, ele expressa com fidelidade o que é ser afro-americano. Consegue captar e expressar boa parte dos danos que este segmento da população tem sofrido, narrando várias situações totalmente desiguais e fortes abusos que sofreram, desde a brutalidade policial até a forma como essas famílias estão se desintegrando pelas injustiças do sistema prisional norte-americano com os afrodescendentes.
Até o tema “Loyalty”, com a participação de Rihanna, aborta o tema da lealdade de uma forma interessante e inteligente. Outra das participações especiais do álbum é a do U2 na música “XXX”, que desde o início mostra um insight e acuidade mental pouco encontrados na música comercial.
Produção e honestidade
O álbum Damn de Kendrick Lamar mostra seu amadurecimento. Lamar escreve e produz música com uma honestidade tão crua e expressa de forma tão eficaz que se torna algo muito raro nesta indústria.
Para alguns, esse nível de introspecção e realidade pode ser um suicídio artístico, pois pode ofender muitos e afastar muitos outros. Para outros, esse tipo de honestidade deve prevalecer na música o tempo todo.
A realidade é que não é assim, e Lamar conquistou um lugar realmente especial no mundo musical.
Damn deve ser ouvido em sua totalidade, com atenção e repetidamente. Pode ser difícil de digerir no início, especialmente se você não está acostumado com o hip-hop mais artístico.
No entanto, há muito a aprender sobre composição; os grooves que ele usa, a maneira como ele cria e mantém a tensão e, acima de tudo, a maneira nova, inteligente e honesta que Kendrick Lamar lida com uma variedade de questões controversas e reais.
Artigo de Rodrigo O. Sánchez
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